Diversidade e inclusão: abismo entre discurso e realidade

Diversidade e inclusão: abismo entre discurso e realidade
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Ainda marginalizadas no mercado de trabalho formal, 90% das pessoas trans e travestis já recorreram à prostituição pelo menos uma vez na vida e os outros trabalham informalmente na maior parte do tempo

*Por Redação

A pauta da diversidade de gênero ganhou manchetes nos jornais e empresas passaram a levantar a bandeira ESG, porém na prática, pouca coisa mudou. Diversas pesquisas mostram que o discurso é um e a realidade é outra. Levantamento da Bozza Soluções Estratégicas em Recursos Humanos, que envolveu 486 empresas, sendo 59% de capital nacional e 41% multinacionais demonstra que os homens cis ocupam 84% dos cargos de diretoria e as mulheres cis 16%, enquanto os cargos gerenciais contam com 81% de homens cis e 19% de mulheres cis. Outro estudo, da consultoria Robert Walters, com 200 empresas, destaca que 42% dos pesquisados consideram que há pouca ou nenhuma diversidade de gênero nos cargos de gestão de sua organização.

Se ainda existe uma enorme distância entre homens e mulheres cisgêneros em cargos executivos, o tema diversidade, em sua essência, está ainda mais negligenciado. “A diversidade se refere a uma representação equilibrada de gênero, etnia, idade, orientação sexual e outros fatores (por exemplo, pessoas com deficiência, veteranos, grupos religiosos) em todos os níveis de uma organização. A pauta tem ganhado relevância dentro das organizações, mas entre o discurso e a prática há um grande abismo“, diz Ronald Bozza, sócio da Bozza Soluções Estratégicas em Recursos Humanos.

Um dos pontos que mais se discute atualmente se refere à diversidade na equipe, o que inclui a contratação de transgêneros, uma parte da população que sofre com o preconceito no mercado de trabalho. Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista, publicada no final de 2021, mostrou que 2% da população brasileira é de pessoas transgênero ou não binárias. O IBGE ainda não tem dados oficiais sobre o assunto. Outro dado alarmante é da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Segundo a entidade, 90% das pessoas trans e travestis já recorreram à prostituição pelo menos uma vez na vida e os outros trabalham informalmente na maior parte do tempo.

O 1º Mapeamento de Pessoas Trans da Cidade de São Paulo, realizado em 2021, ouviu 1.788 pessoas trans e travestis e concluiu que a maioria da população trans é composta por mulheres jovens, pretas e pardas. Do total de entrevistados, somente 59% exerciam uma função remunerada durante o período das entrevistas – grande parte no mercado de trabalho informal.

Normalmente, as portas estão fechadas para esse grupo de pessoas por causa do preconceito da sociedade que se reflete também nos recrutadores“, conta Maira Mainardi, Head de People and Culture da Beedoo, startup de treinamento, que deu os primeiros passos para vencer essa barreira no ambiente corporativo ao contratar alguém para liderar com lugar de fala, uma pessoa trans não-binária.

A profissional da startup, que chegou há dois anos com a missão de construir um departamento de Recursos Humanos na empresa, diz que a mudança vai muito além de preencher cotas e passa pelo desafio de tornar a companhia de fato plural, preparando-a para receber a diversidade nesse universo de startups tão alardeado pelo marketing, mas pouco receptivo no dia a dia.

A transformação começa na liderança. É preciso entender que a diversidade de gênero é uma política voltada para a inclusão que oferece muitos benefícios para os negócios. Entre eles a redução do turnover, por exemplo. Em vista do atual cenário hostil de trabalho, a empresa que tem uma cultura inclusiva e psicologicamente segura consegue reter seus talentos profissionais“,

explica Maira.

Entre as formas de se fomentar a diversidade no mundo do trabalho, estão o apoio da liderança na promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+, a criação de um ambiente de igualdade de tratamento e oportunidades, educação dos colaboradores em relação aos direitos de minorias, divulgação de seus direitos em campanhas de marketing da empresa, programas de treinamento e desenvolvimento voltado para as pessoas trans e travestis, benefícios flexíveis e passíveis de adaptação, apoio psicológico, criação de ações internas com temas voltados para a inclusão e a diversidade.

De acordo com Maira, a ética e o respeito da organização pela diversidade também elevam o engajamento do time, trazendo motivação e aumentando a produtividade. Outra vantagem que Maira aponta, é o fato de que equipes plurais têm a capacidade de pensar em soluções inovadoras. “É preciso pensar fora da caixa, pois, normalmente, as portas estão fechadas para esse grupo de pessoas por causa do preconceito da sociedade que se reflete também nos recrutadores. Para isso, é preciso ter um Recursos Humanos empoderado, que ajude a contratar e reter talentos LGBTQIA+“, sustenta.

O tema deve permear de ponta a ponta da cadeia, com um processo seletivo inclusivo e que promova o respeito pela diversidade de gênero. Na Beedoo, por exemplo, o profissional responsável pelo processo seletivo é um homem trans negro e, a própria forma que o candidato lida com ele já demonstra como irá lidar com outras pessoas na empresa. “Assim, podemos perceber se está apto para conviver e aceitar a diversidade“, conta.

Para Maira, o mundo do trabalho não é preparado para pessoas dissidentes. “Não estamos prontos enquanto sociedade e, muitas vezes, nem dispostos, a dialogar com o que diverge. Porém, dentro das empresas, podemos estimular estruturalmente as pessoas a refletir e criar espaços seguros para troca. É dentro deste conceito que trabalhamos na Beedoo“, diz.

Segundo Maira, para mudar o atual cenário das empresas, primeiramente, é preciso que as pessoas tenham acesso à formação igual, em um país tão desigual quanto o Brasil. “É urgente que o RH das empresas crie metodologias para conseguir compreender o contexto social e econômico dos candidatos e facilitar que pessoas com menos acessos historicamente tenham mais oportunidade de pelo menos chegar até a entrevista. Pessoas trans, travestis, PCDs, negros, indígenas, periféricos estão sedentos por uma oportunidade para mostrar que são capazes. Somos potentes, plurais e seus filtros não conseguem medir essa porcentagem em um sistema de triagem“, finaliza.

*Publicado originalmente Monitor Mercantil, com edição na Redação VSP
Foto: Alexander Grey/Pexels

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