Sexualidade na terceira idade avança contra tabus e preconceitos

Sexualidade na terceira idade avança contra tabus e preconceitos
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Com o aumento da expectativa de vida e um maior entendimento sobre as nuances do corpo, idosos e, principalmente, idosas começam a sentir-se mais livres para viver sua sensualidade

Por Elisabetta Mazocoli

Por muitos anos, houve um pacto de silêncio sobre a sexualidade dos idosos e uma falsa crença de que, chegando à terceira idade, as pessoas viravam seres assexuados. Principalmente as mulheres – no caso delas, depois da menopausa. No entanto, com o avanço da medicina e a mudança sobre a percepção do envelhecimento, já que a expectativa de vida atual no Brasil é de 76 anos, o entendimento sobre isso passou a ser alterado. Hoje, de acordo com os especialistas, os idosos são mais livres para viver a sua sexualidade e entendê-la. O assunto, porém, ainda é cercado de alguns tabus e de preconceitos.

Eu não me lembro de ter um orgasmo quando tinha 20, 30 anos“, diz S.S., de 72 anos. Ela, que foi casada a maior parte da vida, passou a ter experiências mais prazerosas na terceira idade, quando também foi buscar conhecer mais sobre o assunto e passou a escutar as pessoas falando sobre sexo – algo que, em sua juventude, era quase proibido. Foi assim que também passou a conversar com quem se relacionava para entender o que o corpo dela sentia. “Eu achava que masturbação, por exemplo, era algo errado. Não se falava sobre isso, não se falava sobre prazer, nem em uma roda de amigas“, comenta. Até hoje, ela acha que o tema causa desconforto e pede para não ser identificada na reportagem justamente por isso. “As pessoas têm preconceito e parecem achar errado, como se a gente estivesse morto. Mas não estamos. Somos um casal como qualquer outro“, afirma.

No caso de C.B., de 74 anos, a sexualidade também passou a ser experimentada de outra forma depois de 50 anos. Ela se apaixonou por uma mulher – nunca havia tido nenhuma relação homoafetiva antes daquele momento. “Não é só sobre o ato. É sobre a intimidade que a gente tem, o carinho“, explica. O relato dela é de que a situação foi bastante complicada, ainda mais por ser relacionada com a sua orientação sexual. Ela mesma se sentiu errada durante o processo. Já A.F., de 76 anos, afirma que não sente o mesmo desejo sexual que sentia quando era mais nova. Mas, para ela, não é só sobre a relação sexual: “Gosto de um carinho, de andar de mãos dadas, de beijar. Quando dá vontade, acontece“, diz.

– Alterações físicas –

O médico geriatra Assuero Luiz Saldanha afirma que, formado há 45 anos, só tem visto as pessoas falando mais sobre o sexo na terceira idade recentemente. E é preciso: “a sexualidade é uma coisa inerente ao ser humano, nascemos e morremos independente da idade. O que mudou foram os tabus, a sociedade começa a aceitar mais isso“, diz. Para ele, a necessidade de falar está justamente em também conscientizar, já que há alterações fisiológicas nessa etapa da vida que realmente demandam atenção e cuidados. “No caso das mulheres, por exemplo, a lubrificação se altera. É preciso se atentar pra isso para que não se machuquem durante a relação“, diz.

Em sua percepção clínica, há também a falta de conhecimento sobre infecções sexualmente transmissíveis. “Os idosos, em geral, são mais resistentes para usar preservativo. Quando o homem vai buscar sexo fora do casamento, isso se torna um grande problema” explica. O contato com os pacientes também mostra que as mulheres ainda buscam menos conversar sobre o assunto, por todos os tabus envolvidos. “Muitos homens se queixam disso nas consultas, mas as mulheres, em geral, não“, diz. Para ele, nesses casos, é preciso também entender a realidade dos casais para que a vida sexual fique ativa e confortável para ambos.

– Mudanças culturais e perspectivas de cuidados –

A psicóloga e gerontologista Gleice Vellozo esclarece que, quando as pessoas pensam na vida durante a terceira idade, já colocam diversos preconceitos. “Levando em conta a sexualidade, esses preconceitos dobram. Existe essa ideia de que o idoso é assexuado, não tem desejo, não tem quereres ou fantasias… mas é uma realidade que vem mudando“, explica. E vem mudando porque, como ela esclarece, a sociedade também está se transformando. “Mudanças culturais e sociais foram importantes para que as pessoas passassem a entender melhor esses temas. Temos visto cada vez mais algumas mulheres que se viam reprimidas na fase adulta buscando a sexualidade e o lado sexual e redescobrindo o prazer nessa idade“, explica. Ainda deixa claro que há diferenças importantes em relação a essa vivência nos 60 ou nos 80 anos, e é algo que deve ser conversado individualmente, com naturalidade.

Ela também deixa claro que a sexualidade é uma forma de expressão que proporciona diversos benefícios, e por isso é preciso que a questão também seja mais abordada. “É um tema que pode mudar a forma de perceber a autoimagem do idoso, para perceber que tem direitos, capacidade de amar e que o amor não muda na terceira idade“, explica. A vida em casal nessa etapa da vida pode se alterar bastante. “É confortante para o indivíduo contar com um relacionamento e até com esse autoconhecimento. Tanto as relações sexuais quanto as amorosas são diferentes nessa etapa. Também tem a experiência da pessoa ao longo da vida.

Outra percepção que Assuero traz é sobre a forma como os casais vivenciam essa sexualidade. “É comum que homens cheguem aqui no consultório querendo remédio para ereção, mas as mulheres deles, que muitas vezes estão junto nas consultas, não querem“, diz. Para ele, é preciso também uma mudança na percepção: “A sexualidade não é só a penetração, é o convívio, as carícias. Quando esse relacionamento está desgastado, não adianta só dar remédios como Viagra, é preciso antes haver um preparo“, explica.

Para homens e mulheres, essa vivência também é diferente. Ele explica que, no caso dos homens, muitos buscam mesmo tratamentos para conseguir a ereção. No caso das mulheres, há uma busca por implantes hormonais, mas isso ainda causa controvérsias dentro da sociedade médica. “Não são todas as mulheres que têm que fazer, são hormônios que têm risco. Elas têm ganhos, que melhoram inclusive a lubrificação e a questão óssea, mas também há estudos que mostram que, a longo prazo, elas podem ter problemas no coração e risco de câncer“, diz.

– Autoestima e bem-estar –

Essa busca pela sexualidade se manifesta de diversas formas. Luciene Scoralich, CEO da marca de moda íntima Loback, nota que há um aumento na procura dos seus produtos por mulheres idosas, fazendo com que o mercado mude também a forma de produzir para esse público. “São clientes que escolheram não seguir mais aquele padrão pensado para as idosas, em que predomina o uso de cores pastéis com tecido 100% algodão. Há um percentual expressivo de mulheres que gostam de lingeries com cores, rendas e peças com modelagens menores“, afirma.

A questão da sexualidade, para Gleice, está totalmente relacionada com a autoestima – e faz com que muitos idosos tenham vontade de se cuidar mais, em todos os sentidos, e com isso tenham impactos muito positivos para a própria saúde mental. “Elas têm a ideia de vestir uma lingerie que trabalhe a sensualidade, ou seja, que as faça se sentirem bonitas e bem vestidas, em especial para si próprias e seus parceiros“, explica Luciene. Esse impacto para autoestima acontece em todas as idades, mas é ainda maior quando as mulheres percebem que podem fugir de um padrão que acreditavam ser fixo para elas. “Há um impacto importante na auto estima que se eleva, na sensação de felicidade e no estilo de vida com a busca de viver momentos novos e intensos“, continua.

Gleice nota exatamente que essa sexualidade pode trazer mais qualidade de vida para os idosos, ainda mais se discutida de forma consciente e positiva. “Traz uma qualidade de vida pra essa pessoa idosa. Temos pessoas idosas mais dispostas, mais ativas, que se sentem mais vivas e que tem uma melhora no organismo, no sono, alivia o estresse e ajuda no emocional. Afasta o sentimento de depressão, e tem estudos que falam até na diminuição de infarto“, ela afirma.

Publicado originalmente no Jornal Tribuna de Minas
Foto: Rodnae Productions/Pexels

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