Catar, o bode expiatório que o futebol mundial escolheu

Catar, o bode expiatório que o futebol mundial escolheu
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É possível criticar a política da diversidade no Catar sem analisar os erros cometidos em seu próprio país?
Como jornalistas do mundo todo criticaram o preconceito e as discriminações do país árabe e esqueceram de olhar no espelho

Por Cleber Siqueira

Poucos meses antes da Copa do Catar se intensificaram as notícias de desrespeito às diversidades e à segurança e dignidade dos trabalhadores nas construções dos estádios.

Na verdade, as críticas com relação à escolha do país como sede da Copa já eram conhecidas há vários anos e apenas ganharam fôlego com novas denúncias sobre as condições trabalhistas. Um relatório publicado em novembro pelo grupo de direitos humanos Equidem mostrou relatos de trabalhadores que falavam sobre rotina de trabalho forçado baseada na cultura do medo e da xenofobia. Vale lembrar que 90% dos quase três milhões de habitantes são de estrangeiros.

Mas se o epicentro do “terremoto preconceito” durante a Copa foi no Catar, seus abalos secundários ecoaram mundo afora. Aliás, abalos sísmicos relacionados aos preconceitos já existem em todo planeta há milhares de anos. Mas já que a copa era no Catar, o país virou a bola da vez.

– Muito além do Catar –

Abaixo, selecionei alguns desses “abalos” que foram sentidos antes, durante e depois da Copa do Mundo. Não há cronologia nas informações, mas os textos são autoexplicativos.

Quem já se esqueceu do racismo sofrido por Vini Jr., poucas semanas antes do embarque para Doha? Em outubro, um empresário do futebol o comparou a um macaco por comemorar seus gols com danças. Durante o programa espanhol “El Chiringuito”, Pedro Bravo disse que Vini “tem que respeitar, se quer dançar samba, vá fazer isso no Brasil. Aqui, tem que respeitar seus companheiros de profissão e deixar de ser macaco”.

Alguns dias depois, o Atlético de Madrid recebeu o Real em seu estádio e a torcida atleticana havia “proibido” Vini de dançar na “casa” deles e a recepção ao jogador foi feita com cânticos racistas.

Vini Jr não marcou nenhum gol, mas dançou junto com Rodrygo, logo após o Real abrir o placar. A torcida rival reagiu acenando gestos nazistas em direção aos dois. Os mesmos gestos que, em abril, foram feitos na arquibancada em jogo dos colchoneros contra o Manchester City, pelas quartas da Liga dos Campeões. Após esse episódio a Uefa puniu o Atlético com o fechamento de 5 mil lugares para o jogo de volta.

Porém, não podemos dizer que tudo é culpa dos torcedores do Atlético de Madrid. Pouco tempo antes do início do jogo entre Espanha e Marrocos, torcedores espanhóis de uma ala da extrema-direita deixou, na porta de uma mesquita em Vitoria-Gasteiz, no norte do país, um javali morto acompanhado do recado “vamos caçar os mouros”. Ataques islamofóbicos e racistas também ganharam as redes sociais e, apesar de o ataque ter sido motivado pela partida, o histórico entre os dois países é longo.

Javali morto é deixado na porta de mesquita na Espanha
Foto: Sare Antifaxista/Reprodução

Se quiser saber mais sobre a história e os conflitos entre espanhóis e muçulmanos, leia a Reconquista da Península Ibérica, em artigo do site Toda Matéria.

Indo para o Leste passamos pelo fascismo na Itália, pela marcha nazista croata e pela homofobia na Hungria; assuntos que em setembro viraram matéria no Viver Sem Preconceitos mostrando que enquanto, no Brasil, a discussão sobre o preconceito e as discriminações no futebol ganhava espaço em seminário na CBF, com análises baseadas em pesquisa feita pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, na Europa crescia o ultranacionalismo, o preconceito e a intolerância dos torcedores.

Parte da torcida inglesa ainda tem como hábito ir aos estádios utilizando símbolos dos colonizadores, como armaduras, capacetes de plástico e armas de brinquedo como fantasia das Cruzadas. Esses trajes foram considerados culturalmente insensíveis no Catar, que é um país muçulmano e, obviamente, proibidos pela Fifa na partida contra os Estados Unidos e de todos os outros jogos da Inglaterra.

– Intolerância argentina –

Mais ao sul do planeta, a prática de intolerância por parte de torcedores argentinos tem se tornado cada vez mais frequente.

A raiva pela derrota contra Arábia Saudita foi extravasada no formato da xenofobia, com manifestações racistas nas redes sociais, associando os árabes a “escravos” e fazendo comentários abertamente nazistas.

Muitos argentinos chegaram a associar a vitória da seleção saudita a uma “festa de escravos”, com comentários que iam de “desde quando o escravo aprendeu a jogar futebol?” à “terminando o mundial, só vão servir como escravos, filhos da puta”.

Porém, para os brasileiros essas atitudes do povo argentino não são verdadeiramente uma surpresa. Seus ataques contra nosso povo existem já há um bom tempo. Seja em jogos da seleção, seja em jogos entre clubes, torcedores portenhos constantemente têm feito “imitações de macacos” para provocar jogadores e torcidas. Nas redes sociais, se tornou comum argentino se referir aos brasileiros como “macaquitos”.

Na Copa Libertadores 2022, um grupo de torcedores do River Plate fez imitações de macacos e um deles chegou a arremessar uma banana em direção aos torcedores do Fortaleza. Com a denúncia da agressão, o River Plate chegou a identificar e suspender por 180 dias do clube um dos torcedores, que também recebeu uma punição da Justiça em seu país.

Apesar da punição, a torcida argentina não se intimidou e outros casos aconteceram logo em seguida. Torcedores do Estudiantes de La Plata também foram flagrados em práticas racistas semelhantes contra a torcida do Bragantino no estádio Jorge Luis Hirsch; e um torcedor do Boca Juniors foi filmado pelas câmeras de segurança do estádio reproduzindo o gesto na Arena Corinthians. O torcedor do Boca foi detido e os clubes responsáveis foram multados pela Conmebol.

Torcedor do Boca Juniors é detido pela PM
Foto: Reprodução Twitter

Como vemos, o problema do preconceito, da discriminação, da intolerância e do desrespeito à diversidade está longe de ser exclusividade no Catar. Cabe a cada um de nós sempre que for apontar o dedo, se perguntar antes o que é nós temos feito para diminuir a dor do preconceito e da discriminação que o outro tem sentido… e jamais se esqueça: na visão de qualquer outra pessoa, você é o outro.

Foto em destaque: Capitães de diversas seleções européias foram proibidos de usar a braçadeira com as cores do arco-iris durante a Copa do Mundo, uma simbologia à comunidade LGBTQIAP+/Reprodução Instagram

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Cleber Siqueira

Cleber Siqueira

Jornalista, é autor do livro "Fernando, o menino sem dedos". Fundador e editor do Portal Viver Sem Preconceitos, tem pós-graduação em Sociopsicologia. Sua monografia, intitulada "Homossexualidade, o amor às chamas: um breve ensaio sobre o preconceito", faz uma análise entre a literatura específica e a vida real da população homossexual no início dos anos 2000.

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