Aporofobia, o preconceito contra a condição de pobreza caminha para virar crime no Brasil

Aporofobia, o preconceito contra a condição de pobreza caminha para virar crime no Brasil
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Todas as formas de preconceito devem ser rechaçadas. Todas elas são bestiais, repugnantes e irracionais, mas existem situações que exigem mais que um simples combate à injustiça (consequência imediata de quem sofre qualquer espécie de preconceito); é o caso da aporofobia

Colaborou Carlos Fernando Maggiolo*

O preconceito contra a condição de pobreza, ou aporofobia, nos serve como um alerta de que a sociedade está doente e exige maiores reflexões de todos nós, porque chega a conflitar com nossos valores éticos e morais e se revela contraditório com a história de um povo sofrido e guerreiro, como o povo brasileiro. É inconcebível que passadas duas décadas da virada do milênio, com o povo sofrendo tudo o que viveu em matéria de crise econômica, ainda existam pessoas que possam portar qualquer espécie de preconceito contra um pai ou uma mãe de família, trabalhador(a), só porque pertence a uma classe social mais baixa.

Está havendo uma inversão de valores, porque se você pertence a uma classe social superior, em tese, você é o explorador – e aquele senhor ou aquela senhora, são os explorados. Essa superioridade que ultrapassa os limites da razoabilidade deveria se transformar em vergonha, na verdade.

Na cidade de Belo Horizonte, há cerca de seis meses, um rapaz que corria com seu cachorro pelas ruas de um bairro nobre, se sentiu incomodado com a faxineira de um prédio que estava lavando a calçada. Ele resolveu ofende-la, retirou-lhe a mangueira das mãos, a molhou e a derrubou violentamente no chão. Em seguida retomou a sua corrida. A pergunta que fica é se esse covarde agiria dessa forma se no lugar da faxineira fosse o morador da cobertura, um empresário bem-sucedido.

Aporofobia praticada em Belo Horizonte (16/09/22)
Reprodução Câmera de segurança

– Na linha do tempo –

Os primeiros traços de preconceitos, na concepção como os tratamos hoje, são datados da Idade Média, onde os bárbaros, aqueles que não tinham origem grega ou romana, eram vistos como inferiores e escravos. No período vitoriano, as pessoas denominadas pela sociedade como feias eram alvo de preconceito, tidos como “impuros de alma”, castigados, por Deus – e assim a aporofobia rasteja pelas sombras da sociedade até os dias de hoje.  Aporofobia é um termo cunhado pela filósofa Adela Cortina, professora catedrática de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência. Ela é autora da obra “Aporofobia, el rechazo al pobre” (Aporofobia, a rejeição ao pobre, em tradução livre). Em 2017, o termo foi adotado como palavra e incorporado ao Diccionario de la lengua española pela Fundación del Español Urgente (Fundéu). A raiz do termo vem do grego “áporos”, o pobre, o desamparado, e “fobéo”, que significa temer, odiar, rejeitar. A palavra é prima da xenofobia e da homofobia.

A aporofobia é um fenômeno social – e com essa seriedade deve ser tratado pela Sociologia. Sob a ótica da Ciência Penal Brasileira, é um novo crime que está por nascer. A aporofobia vem aumentando na proporção em que o empobrecimento cresce e não há como combater tais atitudes por não haver embasamento no Código Penal que tipifique essa conduta especificamente.

No caso de Belo Horizonte citado anteriormente, o autor dessa covarde conduta responde por injúria real, um crime já previsto no Código Penal. Assim como esse, outros inúmeros casos de aporofobia acabam desaguando em calúnia, injúria e difamação, já contemplados na legislação. Porém, existem crimes mais graves cujos autores saem impunes, por inexistir uma legislação específica que o eleve ao status de criminoso. Um médico ou enfermeiro do serviço público, por exemplo, que recusa o atendimento a um paciente que está com a higiene pessoal considerada inadequada (morador de rua). Se não restar caracterizado o crime de omissão de socorro, esse profissional da saúde se livra impune.

Em outra situação esse mesmo personagem deveria responder por crime de aporofobia quando passa o diagnóstico de doenças graves ao paciente em consulta, se baseando em laudos médicos e se limitando a utilizar dados técnicos, sem se preocupar se o paciente está compreendendo seu belo discurso. Não há compromisso desse médico com a vida desse paciente, ele é indiferente – e sai impune dessa crueldade porque ainda não há previsão legal para esse crime de mil facetas e modos de atuação.

Tramita a passos lentos no Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.636/2022, do senador Randolfe Rodrigues, que criminaliza ato que envolva discriminação contra pessoa em razão da condição de pobreza. Chega de impunidade!  Chega dessa reprovável prática discriminatória, que mostra o grau de desumanidade e de falta de empatia de algumas pessoas. A aporofobia gera mais desigualdade e, no extremo, discursos de ódio, irracionalidade e violência.

*Carlos Fernando Maggiolo é advogado criminalista, professor de Direito Penal e colabora com o Viver Sem Preconceitos
Foto em destaque: Combater a esmola também é um ato de aporofobia – por Timur Weber/Pexels

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Redação

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