Casos de racismo no futebol aumentam em 2021
Relatório apresentado hoje na CBF, durante o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, aponta que 64 casos de discriminação racial aconteceram dentro do país
Da Redação
Os clubes devem se sentir responsáveis pelo que acontece, porque certos episódios ocorrem dentro de um espaço fechado ou de um estádio. E quando digo ‘responsável’, não quero dizer ‘culpado’. As pessoas devem dizer: ‘Somos responsáveis. O que podemos fazer?’ Se você admitir ser responsável, é um bom começo, porque não acontece novamente. Se, em vez disso, ninguém se sente responsável… nada muda.” (Lilian Thuram)
Comparado a 2020, o número de casos de racismo no futebol brasileiro aumentou no ano passado, uma elevação que pode ser explicada pelo relaxamento às regras anteriores impostas pela pandemia da Covid-19.
“Não podemos esquecer que (2020) foi um ano atípico, com a ocorrência da pandemia e sem a frequência de torcedores nos estádios. Assim, destacamos a existência de um número elevado de atos discriminatórios“, diz o relatório.
No total, o relatório produzido pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol em parceria inédita com a Confederação Brasileira de Futebol, aponta 158 casos de ações discriminatórias, sendo 124 no futebol e 34 em outros esportes, com 137 casos ocorridos no Brasil e 21 com atletas que residem no exterior.
Elaborado pelo quinto ano consecutivo pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol e pelo Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o levantamento que tem sido feito anualmente desde 2014, mostra como tem sido o crescimento (exceto em 2020) no número de casos de racismo no futebol, no Brasil, a partir de 2017.
De 43 casos registrados em 2017, em 2018 chegam a 47, depois para 70, em 2019, cai para 31, em 2020 e, finalmente, 64 em 2021.
O relatório ainda relata outras formas de preconceito:
– LGBTfobia – 2017 (10); 2018 (5); 2019 (20); 2020 (14) e 2021(24)
– Xenofobia – 2017 (4); 2018 (7); 2019 (3); 2020 (4) e 2021 (6)
– Machismo – 2017 (5); 2018 (18); 2019 (29); 2020 (12) e 2021 (15)
Vale ressaltar que o relatório considera apenas os casos que se tornaram públicos na imprensa.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol, diz que “as denúncias que recebemos de redes sociais não colocamos. Só o que foi noticiado pela imprensa. Esses casos de internet podem ser perigosos. Pode ser montagem, pode ser torcedor rivalizando com outro. Mas a gente sabe que, se for olhar com lupa, os números serão muito maiores“.
Marcelo acredita que com o apoio da CBF será possível levar o relatório para as redes sociais, da mesma forma como acontece na Inglaterra, onde a ONG Kick it Out atua ao lado da federação local para mapear casos no mundo virtual.
O levantamento ainda apresenta casos que ocorreram no exterior com atletas brasileiros. Foram 10 de racismo, quatro de xenofobia e um de LGBTfobia.
Dos 74 casos de racismo no Brasil e no exterior, segundo o relatório, em 44 deles o agressor é um torcedor ou grupo de torcedores, em seis vezes a discriminação partiu de outro atleta, um de treinador, em cinco de dirigente do clube, outros seis casos de integrantes de comissão técnica ou funcionário, sete de autoria de um ou mais jornalistas, um de cônsul oficial representante de equipe no exterior, três casos do próprio poder público e até um de influenciador digital.
Os atletas são a maioria das vítimas, com 48 episódios, mas ainda há registros de árbitros, 3 vezes; funcionários de estádio ou integrantes da comissão técnica, seis vezes; torcedores, 10 casos, além de familiar de jogador , ex-atletas e jornalistas esportivos. Dois casos englobaram praticante de e-sport e modelos negros de uma campanha publicitária de lançamento de uniforme do time.
“Acho que a gente está mais atento, e o meio do futebol está dialogando mais sobre o assunto. Esse debate fora do espaço das quatro linhas faz com que os jogadores entendam a importância de denunciar“, diz Carvalho.
Segundo a Folha de S. Paulo, o problema ainda são as punições. No geral, quando há alguma, na esfera esportiva, aplica-se uma multa. Entre todos os casos registrados pelo relatório, apenas em um ocorreu perda de pontos definitiva para algum clube não revertida por instâncias superiores. E foi em torneio amador. O União Atlética Ituiutabana foi condenado a pagar R$ 1.100 e a perder três pontos porque o árbitro da partida da equipe contra o UAI, pela liga local, foi chamado de “macaco” por uma mulher não identificada.
Nos demais episódios prevaleceu o que aconteceu com o Brusque em outubro do ano passado. O meia Celsinho, do Londrina, foi chamado de “macaco” em partida da Série B do Brasileiro por um dirigente do clube catarinense. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) multou o Brusque em R$ 60 mil e o condenou à perda de três pontos no torneio. Após recurso, o time recebeu os pontos de volta.
Existe o lado da conscientização maior, mas do lado de quem comanda o futebol não vemos essa movimentação. Quem comanda o futebol ainda não está se mobilizando. A CBF levar o relatório para dentro da entidade é a minha esperança de mudar isso”, opina Marcelo Carvalho.
A confederação aparece em um dos casos relatados. O Grupo Arco Íris de Cidadania LGBT questionou na Justiça o motivo de a seleção brasileira não ter a camisa 24 na Copa América do ano passado. A entidade explicou no processo que existiam questões no regulamento da competição e citou a preferência do volante Douglas Luiz em usar a 25.
Em texto publicado na abertura do relatório, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, diz que o “futebol tem responsabilidade de ser instrumento para mudar isso [racismo e discriminação] e não [é] simplesmente um agente passivo dos processos históricos e socioculturais que conduzem aos mecanismos de opressão, violação dos direitos e violência”.
– Perda de pontos –
Marcelo afirma saber que a estatística real é bem maior. Sabe disso por conversas com vítimas que se recusam a denunciar.
“Recebemos contatos de jogadores. O mais triste nesses casos é não tornar isso público. Eles querem apenas desabafar, dizem estar se sentindo péssimos, mas não querem denunciar porque não são respaldados por ninguém. O clube não respalda, a federação não respalda. Isso é muito frustrante porque não conseguimos ajudá-los”, finaliza o diretor do Observatório.
O presidente da CBF deve propor que times sejam punidos com perda de pontos caso torcedores se envolvam em casos de racismo, diz o ge.com.
A penalidade valeria a partir de 2023, mediante aprovação do Conselho Técnico do Campeonato Brasileiro.
Para conhecer o relatório na íntegra, clique aqui
Da Redação com informações do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol e Folha de S. Paulo
Ilustração: Observatório da Discriminação racial no Futebol/Divulgação
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