Vai mulher, reage! Bota um cropped

Vai mulher, reage! Bota um cropped
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Um pouco de meme, um pouco de desejo: o que precisamos para nos humanizar?

Por Jéssica Balbino

A frase que virou meme e tem sido usada pra “resolver” todos os problemas que surgem na internet há algumas semanas chegou por aqui também.

Pra além do fato de eu ser uma mulher gorda e há pelo menos uns oito anos ser adepta da peça de vestuário lida como “empoderadora”, caminhando por aí exibindo parte da minha barriga grande, de mulher gorda, me ponho a refletir sobre o que está por trás não do cropped (aliás, reajam e venham tirar os meus!) mas do imperativo da reação.

Tão bonita quando o movimento body positive, a frase, num primeiro momento, é divertida, leve e atraente. Num segundo momento, não passa disso. Tem dias que não há cropped no mundo que me faça reagir. E tem dias que eu não quero reagir. Sem falar, claro, na problemática da mulher que não é padrão e é reativa.

Dali é um pulo pra que seja lida como violenta – e isso seja um card super usado pelas pessoas pra seguirem isolando e punindo esta mulher. Estamos prestes a entrar no terceiro ano de pandemia, voltamos a contar algo em torno de mil mortes por dia, nada será como antes e reagir diante desse absurdo me parece uma imensa piada de mau gosto. Eu não quero reagir.

Eu quero botar meu cropped e só existir. Eu quero botar meu cropped e saber que não serei xingada na rua. Que não serei agredida. Quero botar um cropped e ser amada. Não comida. Amada. Quero por um cropped e receber uma mensagem querendo saber como tô – de alguém de fato interessado na resposta. Quero por um cropped e cruzar olhares confortáveis com alguém.

Quero por um cropped e ser ouvida. Quero por um cropped e poder contar que vi um casal andando de patins na ciclovia e tive vontade de comprar um par e voltar a patinar também. Quero por um cropped e contar que na adolescência, eu fazia longas distâncias – e aventuras – em cima do meu roller.

Quero por um cropped e dizer que aprendi a fazer pamonha ainda criança – e que amo os dias em que isso acontece. Que sinto saudade de como eu imaginava meu quintal e criei monstros gente fina pra habitar meu imaginário – e um elevador dentro do meu guarda-roupa, bem antes de assistir Nárnia, numa tentativa de preencher a solidão dos dias.

Quero dizer que não consigo mais imaginar os monteis, mas sigo solitária – não importa o quanto eu reaja e bote um cropped. Quero dizer que gosto mesmo é de sentar na calçada e beber cerveja, ouvir das pessoas e falar de mim, sem a pretensão de impressionar ou me divertir mais do que aquilo. A diversão, pra mim, mora ali.

Quero dizer que me assusto quando penso que daqui um ano vão somar-se 20 desde que entrei na faculdade e não há cropped que sustente isso. Quero dizer que gosto da forma como o sol bate nas casas da quebrada e eu vejo pela minha janela todo fim de tarde. Aquela luz que parece resolver tudo, como uma música do Tupac no começo dos anos 2000.

Quero botar um cropped e comer um pastel frito, contar dos meus medos, lembrar dos meus melhores dias, chorar de saudade das pessoas que já morreram. Quero por um cropped e não precisar fazer um textão reagindo a qualquer coisa gordofobica que alguém disse na TV ou nas redes sociais. Quero botar um cropped e comer um brigadeiro de colher com pessoas com quem me sinto absolutamente à vontade e confortável.

Quero por um cropped e quero cadeiras que caibam pessoas do meu tamanho. Quero botar um cropped e ser chamada pra dançar na balada. Quero por um cropped e ser tratada como uma pessoa. Quero, honestamente, por um cropped e descansar. Tal qual os militantes, que cês amam mandar relaxar. Eu quero só relaxar, com a paz de quem sabe que, no dia seguinte ou uma pandemia depois, tudo estará ali: todo mundo pra ser conquistado. Desconfio que são pessoas – essas – cujo privilégio nunca é ameaçado ou abalado.

Quero por um cropped e ter um privilégio qualquer – nem que seja de, por alguns minutos, ser uma pessoa comum, com desejos ordinários, como comer um queijo quente, tomar um café, deitar num canto e fazer nada. Quero por um cropped e quero que o mundo reaja, porque eu tô cansadíssima de ser a parte que se movimenta sempre.

Quero que o mundo reaja e diga que com ou sem cropped, vale a pena que eu esteja nele. Quero que o mundo reaja por mim como eu reajo por ele. Quero por um cropped e ser uma pessoa. Ser tratada como tal. E não como uma aberração. Não como um amontado de gordura desumano que não se esforçou o suficiente para estar neste mundo. Não como alguém que merece sofrer. Quero por um cropped e não ser punida por isso. Quero por um cropped e me tornar uma pessoa.

Reajam!

Publicado originalmente no jornal Estado de Minas
Foto: Jéssica Balbino/Divulgação

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Redação

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