Mês da Visibilidade Trans: Por que pessoas trans seguem à margem dos programas de diversidade?

Mês da Visibilidade Trans: Por que pessoas trans seguem à margem dos programas de diversidade?
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Pessoas trans existem. Pessoas trans têm formação. Pessoas trans devem ter direito à vida e à segurança psicológica. E, sim, pessoas trans devem ter acesso ao mercado de trabalho

Por Liliane Rocha

O que a gente não mede, a gente desconhece. E o que a gente desconhece não demanda ação e atuação. Ou seja, não perguntar sobre determinados grupos sociais no Censo Demográfico brasileiro também é uma estratégia não só de invisibilização, mas de manutenção da lacuna de gestão e de políticas públicas. Dito isto, mesmo com a ainda recente aplicação do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o mapeamento da representatividade real da população LGBTQPIAN+, e consequentemente das pessoas trans, segue ausente na maior pesquisa censitária do país.

Na vanguarda das melhores práticas em relação à temática, durante uma reflexão que fizemos juntos, Felipe Simi, CEO da agência SOKO, cliente e parceiro da Gestão Kairós, traz o seguinte relato: “Eu respondi ao Censo do IBGE agora em 2022, e ninguém me perguntou, por exemplo, sobre orientação sexual. Não existem políticas públicas no Brasil para grupos minorizados porque não existe interesse em quantificar e qualificar as questões de grupos minorizados”.

Um exemplo internacional que nos mostra a importância de mensurarmos a população LGBTQPIAN+ por meio de uma pesquisa censitária é o Censo Demográfico do Reino Unido, aplicado em 2021, que incluiu oficialmente, pela primeira vez, perguntas sobre identidade de gênero para 100% de sua população, obtendo a autodeclaração de mais de 262 mil pessoas trans.

– Lacuna de informações –

No Brasil, em função dessa lacuna, estudos independentes vêm, ao longo do tempo, tentando trazer uma fotografia do percentual dessa parcela da população na sociedade brasileira. Quando falamos de pessoas trans, por exemplo, foco dessa reflexão, o estudo mais recente e pioneiro na América Latina foi realizado pela Faculdade de Medicina da UNESP (Universidade Estadual Paulista), em 2021, com 6 mil entrevistados, em 129 cidades de todo o país, apontando uma demografia de 2% ou 3 milhões de pessoas transgênero ou não-binárias, número possivelmente subestimado dadas as proporções populacionais.

Também o estudo pioneiro Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós 2022, que contou com mais de 26 mil respondentes, entre 2019 e 2021, investigou a representatividade de pessoas transgênero (travestis e transexuais) no Quadro Funcional e na Liderança (Gerente e acima) de diversos setores empresariais. E constatou que, tanto no quadro funcional como na liderança, os percentuais não chegavam a 1%. Ou seja, 99% dos profissionais se autodeclaram cisgêneros, evidenciando a cisgeneridade como norma e regra compulsória dentro das grandes empresas.

Não temos como afirmar com certeza se as empresas definitivamente não estão contratando pessoas trans ou se estão contratando pessoas trans, mas elas não sentem que o ambiente é seguro o suficiente para que possam falar abertamente sobre a sua identidade de gênero.

Quando perguntados sobre a percepção da valorização da Diversidade Sexual, ou seja de orientação sexual e identidade de gênero, na empresa, 24% de autodeclarados transgênero (travestis e transexuais) afirmam que não percebem a valorização da diversidade com relação à temática em seus respectivos ambientes de trabalho, sendo este o grupo de diversidade que mais pontua negativamente na percepção geral dos respondentes.

Diversidade sexual é também o tema mais recorrente nos relatos de discriminação e/ou preconceito vivenciados por profissionais no ambiente de trabalho, com 33% de relatos em que se teve conhecimento ou se experienciou uma ocorrência relacionada à orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Sim, pessoas trans existem. Sim, pessoas trans têm formação. Sim, pessoas trans devem ter direito à vida e à segurança psicológica. E, sim, pessoas trans devem ter direito de acesso ao mercado de trabalho! O mesmo é válido para todas as pessoas LGBTQPIAN+.

– Exemplos da mudança –

Quando falamos de práticas interessantes de empresas, destaco três casos. A Medral, empresa do setor de energia que, por meio do planejamento de metas e indicadores construído pela Gestão Kairós, contratou nos últimos anos profissionais transgênero para o seu quadro geral de colaboradores, ao adotar um banco de currículos de mais de 300 profissionais trans, tendo hoje o que representa aproximadamente 1% de profissionais trans, em um total de 900 colaboradores, atuando em diversas áreas operacionais, como almoxarifado, jurídico, administrativo e segurança, como também em áreas estratégicas no corporativo.

Paralelamente a isso, a Medral realizou uma série de treinamentos, palestras e painéis, com a participação de grandes especialistas do mercado, focados na temática da Diversidade Sexual (orientação sexual e identidade de gênero). Além de mim, especialista negra, cisgênero e lésbica, estiveram profissionais trans como Maite Schneider, Márcia Rocha, Bernardo de Assis, entre outras pessoas proeminentes.

Também temos a atuação ativa do Tenda Atacado, empresa com mais de 40 anos de atuação no segmento do varejo. Por meio do trabalho realizado pela Gestão Kairós e do Programa Tenda Inclui, a empresa vem ampliando a representatividade de profissionais trans nas lojas, centros de distribuição e corporativo, tendo hoje cerca de 1% em todo o quadro funcional, que soma mais de 6.000 funcionários.

Outro exemplo interessante é a Ambev que, em 2022, lançou a iniciativa Me chame pelo meu nome (e pronome também), para apoiar colaboradores e colaboradoras transgênero no processo de retificação de seus nomes, gratuitamente e com todo o suporte necessário, por meio de um advogado especialista na temática. Atualmente, a empresa tem cerca de 0,5% de profissionais trans entre os seus mais de 29 mil funcionários no Brasil. A Ambev tem hoje especialistas consultivos LGBTQPIAN+, como eu e a atriz e compositora trans Linn da Quebrada, que atua como Consultora de Diversidade e Inclusão.

Sim, a mudança é possível. Que possamos fazê-la hoje!

Publicado originalmente na revista Época
Foto: Merlin Lightpainting/Pexels

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