Desconhecimento e preconceito, sintomas de uma sociedade que silencia a hanseníase

Desconhecimento e preconceito, sintomas de uma sociedade que silencia a hanseníase
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Pesquisa feita em 2020 revelou que o silêncio sobre a doença acontecia mesmo em comunidade formada por pacientes

Da Redação

A hanseníase é uma doença milenar, assim como também é milenar o preconceito que ela carrega. Mesmo com cura e tratamento gratuito oferecido em todo mundo, desde 1995, ela ainda é associada a diversos estigmas; lembranças de um passado em que os enfermos eram afastados da sociedade.

Na antiguidade ela representava o pecado, a impureza e a falta de higiene. Numa população sem conhecimento específico, a hanseníase era facilmente associada a outros males, como doenças venéreas e também os da pele, e os enfermos eram excluídos do convívio social e tinham seus bens queimados. Na idade média, eram obrigados a carregar um sino que anunciasse sua chegada, permitindo assim que a pessoas se afastassem deles.

No Brasil, mais recentemente, os pacientes eram internados compulsoriamente em colônias. Em 1962, as internações deixam de ser obrigatórias e os portadores passam a “ter o direito” de viver em sociedade, porém as marcas físicas da doença carregam com elas todo o estigma que a hanseníase nunca deixou de ter. Um preconceito que pode ser observado inclusive dentro de comunidades formadas por doentes, como mostrou uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Com o objetivo de identificar o conhecimento e a percepção sobre a doença entre os estudantes de escolas municipais localizadas na região de uma ex-colônia para portadores de hanseníase, a psicóloga Débora Gabriele Tolentino Alves desenvolveu seu mestrado no Programa de Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da UFMG. O trabalho, defendido em banca em setembro de 2020, contou com participação de 325 alunos do 5º ano 9º ano, entre 10 e 19 anos de idade, que responderam a um questionário foi realizado no bairro Citrolândia em Betim-MG.

A psicóloga acreditava que, pelo fato dessas crianças estarem numa comunidade na qual a hanseníase fazia parte da convivência, a informação deveria, de alguma maneira, circular entre elas. Porém, “os resultados mostraram que o conhecimento era precário ou mínimo, elas não reconheciam ou não sabiam das histórias“, explica.

Débora contou que, pelas respostas, 69,8% já tinham ouvido falar de hanseníase ou por outras denominações como “mal de Lázaro” ou “lepra”. Por outro lado, e que torna a questão ainda mais relevante, é o fato de que mais de 30% dos alunos responderam nunca ter ouvido falar dessa enfermidade.

Outro fator que revelou um conhecimento extremamente baixo por parte das crianças foram as respostas às questões sobre contágio, hereditariedade, sinais ou sintomas, entre outras. A maior parte ficou abaixo dos 50%.

Debora, que trabalha há 10 anos com a doença, sempre atuando ao lado de pacientes  egressos de internações compulsórias, falou também sobre a importância das campanhas de âmbito nacional que eram feitas nas escolas e na mídia, levantando o assunto e dando a oportunidade de as pessoas saberem mais sobre a hanseníase. “isso influencia no diagnóstico, o qual deve ser feito o mais rápido possível, além de desmitificar e descontruir o estigma da doença que é algo muito forte”, acrescenta.

A literatura apoia a identificação de que a falta de conhecimento nutre o estigma sobre a doença, porque alimenta as fantasias, as crendices, as ideias irreais e os mitos a respeito do contágio da hanseníase e suas manifestações, por exemplo. Isso confunde e afasta as pessoas da realidade, dificulta a auto avaliação e, consequentemente, o diagnóstico precoce. Além disso, ao acreditar nesses mitos, o indivíduo pode ter uma reação completamente inesperada ao receber um diagnóstico, dificultando esse processo. Por isso a importância de trabalhar as informações com esses alunos e com a comunidade em geral”, afirmou Débora.

– Angústia, medo e indiferença –

A pesquisa também teve como objetivo investigar o sentimento que os estudantes relacionavam à hanseníase, a partir do que eles ouviram falar ou por terem visto um paciente. “Observamos que sentimentos como angústia, medo e indiferença apareceram de forma significativa. E justamente quanto menor o nível de informação do aluno sobre a doença, maior a intensidade desses sentimentos em suas falas. Por outro lado, quanto maior o conhecimento, maior a possibilidade de parecer sentimentos como altruísmo, importante no trabalho contra o estigma”, disse a psicóloga.

Dessa análise é possível destacar os seguintes índices:

Dos estudantes que ouviram falar sobre a hanseníase
– 43,6% mostraram sentimentos de indiferença,
– 33% apontaram sentimentos ligados à angústia e ao medo

.

Sobre o sentimento ao ver um doente de hanseníase
– 18,9% relataram sentimentos ligados ao altruísmo, como pena e dó, além de tristeza com aquela realidade,
– 14,1% mostraram sentimentos de indiferença,
– 42,7% não responderam à questão.

Debora acredita que seu trabalho contribui com a análise das respostas dos estudantes a partir da psicanálise. É o que, segundo ela, se conceitua como tabu, angústia e mecanismos de defesa que são ativados diante daquilo que causa desconforto ou não é familiar, associando com a falta de conhecimento apresentada, os sentimentos negativos e o estigma. 

Para ela, como a hanseníase sempre esteve muito ligada a ideia de morte, causa um estranhamento no sujeito, um incômodo e angústia. É isso o que aciona o mecanismo de defesa, então a pessoa se afasta e não se interessa em saber mais. “Isso ficou muito ilustrado com o silêncio nas respostas do questionário. Houve questões, por exemplo, que mais de 90% não responderam, mostrando esse silêncio que ronda sobre o que está relacionado à hanseníase”, destacou a pesquisadora.

Sentimentos como esse de angústia, pavor ou indiferença nutrem o estigma sobre a hanseníase. Eles alimentam o imaginário social das pessoas com aquela ideia antiga, ilustrada pelos relatos da Bíblia, de que a doença é uma manifestação do pecado do homem, por isso o temor da marca que ela deixa no corpo”, acrescentou.

– Hanseníase tem cura. O preconceito também –

Hanseníase tem cura e o tratamento é eficaz e gratuito“, diz Debora . Sendo assim, é muito difícil que, atualmente, um doente fique com sequelas tão graves como era no passado, a não ser que tenha diagnóstico tardio. “Quanto mais rápido o diagnóstico for feito, melhor será para o sujeito e suas relações sociais, para o Sistema Único de Saúde e para o sistema previdenciário, para a sociedade em geral”, ressaltou.

O estigma é muito forte. Muitas vezes machuca mais o doente do que a própria doença

Vale lembrar que “a marca do estigma é muito mais difícil de ser removida. Hoje o estigma social está além das sequelas físicas que a doença pode deixar, como perda de sensibilidade e deformidades, como era marcada a doença. Hoje não é preciso ter essas manifestações para que, ao receber o diagnóstico, o indivíduo sofra com os mesmos estigmas e preconceito”, explicou.  É por isso que, normalmente, quando uma pessoa recebe o diagnóstico de hanseníase, ela fica mais preocupada em sofrer o preconceito pela sociedade do que, de fato, como será o tratamento. Por isso, Debora defende a ampliação do debate sobre a doença, para descontruir os mitos.

 “A informação é um dos pontos importantes a serem trabalhados. Mas também é preciso trabalhar a relação das pessoas umas com as outras, do sentimento de solidariedade e compaixão pelo que acontece com o outro e pela história daquilo que está ao nosso redor. É preciso entender mais sobre as questões que envolvem a hanseníase para enfrentar o estigma, o que é fundamental no controle da doença e na prevenção”, finalizou a pesquisadora.

– UFMG –

Esse é o objetivo do projeto de extensão “Enfoque multidisciplinar na hanseníase: cuidado e difusão do conhecimento” da Faculdade de Medicina que, com enfoque na educação em saúde, divulga informações a respeito da hanseníase, seu diagnóstico precoce e, principalmente, sobre os estigmas acerca da doença. Suas ações incluem a divulgação de cartilhas sobre o tema nas redes sociais e no Ambulatório de Dermatologia dos Hospital das Clínicas da UFMG.

Reprodução UFMG

Fontes: UFMG / Fiocruz
Foto em destaque: Manchas na pele podem ser sinais de hanseníase/Portal da Marinha do Brasil

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Redação

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