Reconexão ancestral
A resposta para o futuro que desejamos como pessoas negras, está nas raízes que nos sustentam
Por Fabiana Conceição*
Nos últimos meses tenho compartilhado textos que falam sobre o racismo e como suas estruturas afetam a vida da população negra. Mas quando comecei a pensar no tema que queria abordar neste último mês do ano, queria que fosse um tema direcionado à população negra, com um convite para olharmos para trás e nos reconectarmos com suas raízes ancestrais.
A filósofa Katiuscia Ribeiro diz que a população negra precisa pensar e repensar os modelos de filosofia de vida que as incluam, que o povo negro é um ser histórico, carregado de cultura e tradição. E que essa reconexão com nossa cultura e tradição nos ajudará a percorrer os caminhos e nos permitirá modificar nossa relação com o mundo.
Outro dia, li em algum lugar que uma árvore que sobrevive a grandes tempestades tem um sistema radicular complexo. Esse sistema radicular complexo quer dizer que esta árvore está ligada a outras árvores e suas raízes podem ter quilômetros de comprimento.
Somos árvores vivas, minha gente! Resistimos há séculos a muitas tempestades e o que nos segurou foram nossas raízes conectadas à nossa sabedoria ancestral.
Marcus Garvey disse que um povo que não conhece sua própria história é como uma árvore sem raízes.
Então esse é o convite: vamos buscar nossas raízes, nossos saberes que há séculos nos trazem conhecimentos, resistências e que muitas vezes negligenciamos!
Negligenciamos quando não damos o devido respeito e valorização à natureza, um elemento central de nossa existência e que tem uma relação profundamente espiritual, cultural e histórica com nosso povo.
Negligenciamos quando acreditamos no sucesso individual, que a favela venceu porque uma pessoa preta ficou rica e comprou uma casa em um bairro nobre.
Nossos saberes ancestrais não nos ensinam isso!
Eles nos ensinam a pensar em comunidade, com senso de interdependência (árvores, raízes…), conscientes de que nossas ações individuais podem impactar a comunidade e, por isso, precisamos cuidar uns dos outros, cientes de que o bem-estar coletivo é mais importante do que o individual.
Ubuntu, lembram? Eu sou porque nós somos.
Nós temos honrado nossos mais velhos?
Uma das primeiras coisas que ensinei para minhas filhas foi pedir a bênção. Queria vê-las pedindo aos meus avós. Ensinei que receber a bênção de um mais velho é um presente, uma proteção que a pessoa recebe. E eu realmente acredito!
A sabedoria ancestral nos ensina a honrar, respeitar e aprender com os mais velhos. O quanto estamos honrando suas existências, respeitando e ensinando os mais novos sobre isso?
O escritor Amadou Hampaté Bâ diz que quando morre um africano idoso, é como se queimasse uma biblioteca.
Precisamos ler em comunidade essa biblioteca, cuidar, reverenciar e proteger!
A sabedoria ancestral nos ensina também sobre ter uma visão holística da vida. Fala da importância do equilíbrio e da harmonia em todas as áreas de nossa vida, e nos incentiva a encontrar um equilíbrio entre o trabalhar e descansar, entre o autocuidado e o cuidar dos outros, e entre o individual e o coletivo.
A resposta para o futuro que desejamos como pessoas negras está nas raízes que nos sustentam, está no adinkra do Sankofa, o pássaro que ilustra este artigo e que nos ensina a importância de olhar para trás para que possamos seguir adiante, reconectados com a nossa ancestralidade.
Tem um provérbio africano que diz que quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão. Que em 2024 a gente se junte, se aquilombe e amarre todos os leões que têm atravessado nossos caminhos.
Asè!
*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP
Fabiana Conceição
Colunista VSP
Baiana, mulher negra, mãe de Janaína e Dandara, Fabiana é pedagoga com especialização em psicologia organizacional e diversidade e inclusão e tem pós em Gestão de Projetos. Pesquisadora e palestrante sobre o tema Racismo e Preconceito, é educadora antirracista. É ainda especialista em desenvolvimento de talentos e diversidade, equidade e inclusão na Talento Incluir.
Ilustração: WhoWeAre
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O texto que remete a uma reflexão para população negra, eu acredito que impacta a todos nós, independentemente da raça e etnia, ao nos questionar sobre nosso passado e o quanto o conhecemos e respeitamos, nos leva a repensar o quanto estamos reproduzindo culturas e valores que não acreditamos, que não somos e isso nos leva a nos perdermos de nós mesmos.
Exatamente, Aline… esse texto remete à população negra e, mais, você levanta outro questionamento: o combate aos preconceitos (seja qual for) independe de qual defesa de causa fazemos parte; todas as causas são legítimas! Quando as pessoas que participam do antirracismo perceberem que são mais fortes apoiando o combate à homofobia, ao capacitismo etc e vice-versa, a tendência é que todos se tornem mais fortes. Nós apoiamos a união…. sempre!
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