Três Sorrisos

Três Sorrisos
Compartilhe este artigo

Atrás de uma cabeça branca, pela marcada e estrutura física mais fragilizada, há um baú do tesouro a ser explorado

Por Viviane Lopes*

No final de semana dos dias 08, 09 e 10 de dezembro de 2023, participei do 14o. Festival de Música Raiz da cidade de Pardinho. À princípio, eu e meu marido Júlio, fomos para trabalhar e apreciar pela primeira vez este grande Evento, marcado também pela inauguração do Museu de Tião Carreiro. Mas o que de fato encontrei, além de novos amigos, foram três sorrisos que encheram meu coração de afeto, admiração e gratidão.

Acreditava que encontraria ali o conteúdo para meu artigo deste mês, até porque sabemos o quanto a música raiz e o termo Caipira ou sertanejo, vêm carregado de preconceitos e negação da própria ancestralidade cultural paulista vinda dos Bandeirantes, que desbravaram grande extensão territorial do Brasil. E que hoje, muitas destas regiões desprezam tal denominação por trazer o estereótipo da pessoa sem estudo, mal educada, “bebedor” de cachaça e misógino. Desvalorizar a história e tradição de um povo que trabalha na roça é tão cruel que todos nós perdemos com isso. Mas para minha surpresa, não foi este meu tema para o presente texto, já que estávamos unidos pelo mesmo fim.

Além de toda a produção musical, poesia e beleza; neste evento experienciei situações que confirmaram o que aprendi em 30 anos de trabalho com idosos… a valorização da história de cada um, abrindo uma possibilidade infinita para a saúde mental e alcançando o lugar da expressão do afeto. Nas histórias do outro, eu me reconheço sempre um tantinho, para me refazer. E para aquele que é escutado, mais um tanto dele é multiplicado para fazer preservar sua atuação e relação com seu modo de Ser e Estar no mundo.

Foram três pessoas que se destacaram aos meus olhos e fizeram valer minha atenção: Nivaldo Otavani (fundador do Programa Viola Minha Viola), Jotha Luiz (compositor com mais de 600 músicas gravadas por grandes nomes da música) e Goianito (mestre violeiro e respeitado entre os demais). Indivíduos que transbordavam alegria, contentamento e encantamento pelo reconhecimento que recebiam dos demais participantes que trabalhavam no evento e dos convidados. Homens que contribuíram tanto para a arte e cultura, tão cheios de histórias e relatos, mas que entram no esquecimento do povo simplesmente por envelhecerem.

Geralmente num evento cuidamos para que tudo ocorra da melhor forma possível, cada detalhe passa a fazer grande diferença, e os organizadores recebem olhares constantes de avaliações. Mas sabe o que meus três heróis faziam? Espalharam generosidade com o relato de seus feitos, e distribuíram sorrisos por simplesmente estar ali, vivos e sendo. Sem críticas. Sem julgamentos. Para eles tudo tava “bão” demais e perfeito. E como aprendi escutando suas histórias… ambos fomos felizes. O “falador” e o “escutador” na forma mais genuína do respeito e admiração.

Há violência na exclusão da pessoa idosa do convívio com outras pessoas, do direito à fala e de receber uma escuta ativa. Toda forma de preconceito é violenta, mas tentar apagar sua história, é anular ele mesmo. Aceitar as mudanças geracionais, cuidar para não cairmos na armadilha da conserva cultural é fundamental, mas o conhecimento e o aprendizado se faz na minha relação com o outro.

Atrás de uma cabeça branca, pela marcada e estrutura física mais fragilizada, há um baú do tesouro a ser explorado. Que eu continue sendo um pirata e adentrando o mar de experiências extraordinárias da amizade. Que cada um perceba sorrisos como estes que vi, para seu crescimento.

*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP

Foto: Tião Carreiro, músico morto em 1993, teve museu inaugurado em seu nome, na Fesmurp 2023/Reprodução site Tião Carreiro

Siga o Viver Sem Preconceitos nas Redes Sociais

Curta, comente, compartilhe…

Vamos fazer do mundo um lugar melhor para se viver,
um lugar com menos preconceitos!

O Portal Viver Sem Preconceitos autoriza a reprodução de seus conteúdos -total ou parcial- desde que citada a fonte e da notificação por escrito.
Para o uso de matérias e conteúdos de terceiros publicados aqui
, deve-se observar as regras propostas por eles.

Colunistas

Colunistas

Coluna semanal de nossos articulistas, sempre com temas variados sobre a diversidade e a luta contra o preconceito e as discriminações.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *