Invisibilidade, preconceito e capacitismo: Precisamos desconstruir para construir

Invisibilidade, preconceito e capacitismo: Precisamos desconstruir para construir
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O desconhecimento e o capacitismo podem fazer de algumas ações algo corriqueiro, comum, mas não deveria ser assim, afinal o dia a dia expõe uma realidade bem diferente: “deficiências são apenas características, não me definem e nem me tornam uma pessoa especial”.

Por Ciça Cordeiro

Ao longo dos anos tenho feito amizades e conhecido pessoas muito interessantes na jornada da inclusão. Essa é a melhor parte da vida – conhecer pessoas! Quero citar aqui trecho do texto que li esta semana, trecho do artigo da minha amiga querida, professora Sueli Yngaunis para abordar o tema que persiste na vida de muitas pessoas com deficiência, o capacitismo.

“O preconceito é uma atitude negativa em relação a um grupo de pessoas, pode levar a um sentimento hostil, ele é constituído pelos valores e crenças que as pessoas podem ter sobre o que ela considera aceitável ou não. E a consequência dessas atitudes, é o que faz com que sejam negados algum direito ou oportunidade, é a discriminação.”

Um olhar preconceituoso, uma atitude discriminatória, leva ao capacitismo, que é quando se adota uma “régua” que diz qual é o padrão normal e funcional que todos os corpos devem ter, e quando um corpo está fora desse padrão, ele não serve. Infelizmente, essas atitudes estão tão enraizadas, que passam despercebidas por aqueles que não vivem essa situação. Surge então a invisibilidade.

A invisibilidade faz com que um elevador quebrado não seja tão relevante, que alguém estacionar na vaga exclusiva “por alguns minutinhos” seja tolerável, que investir em acessibilidade não seja prioridade, entre tantas coisas que poderíamos citar aqui.

E o que resta àqueles que sofrem com algum tipo de preconceito, que vivem situações de discriminação, que sofrem com o capacitismo, e que não são “vistos” pela sociedade? Talvez seja o sentimento de “tristeza calejada”. Um sentimento de conformismo que pode contribuir para um sentimento de capacitismo interiorizado, que é quando a própria pessoa que sofre com essas atitudes, começa a acreditar que ela tem menos valor.”

Li o artigo e fiquei pensando muito sobre o assunto. Pessoas com deficiência foram por anos e ainda são invisíveis para sociedade. Não somos vistos! Somos ignorados. E como diz a Sueli, um sentimento de “tristeza calejada”, um conformismo tem levado muitas pessoas a acreditarem que realmente elas têm menos valor.

Tristeza me dá saber que isso acontece. Não tenho menos valor por ser pessoa com deficiência, assim como meus amigos não têm menos valor pela cor da sua pele, ou por sua orientação sexual. Não sou coitadinha e não sou heroína. Rótulos dados às pessoas com deficiência. Esse conformismo não faz parte da minha vida e trabalho diariamente para que ele também não faça parte da vida de outras pessoas com deficiência e de pessoas aliadas.

Sou pessoa com deficiência há 12 anos, e hoje sei qual é o meu propósito na vida – levar o tema em palestras e treinamentos por onde passo, na ansiedade de mostrar o outro lado para pessoas que desconhecem, que nunca conviveram com pessoas com deficiência, para que sejamos respeitados como somos.

Deficiências são apenas características que não me definem e nem me tornam uma pessoa especial. Posso ser especial por minhas qualidades, não pelas características físicas do meu corpo.

O capacitismo está sim impregnado em muitas pessoas, que não sabem nem que ele existe. Mas precisamos falar sobre isso. Recentemente precisei passar por um médico do Detran em SP para renovar minha CNH, e ouvi a seguinte pergunta dele: “Qual o seu defeito?

Isso mesmo! Fiquei chocada e respondi: “O senhor está me perguntando qual é minha deficiência, certo?” Ele ficou sem graça. Detalhe: ele também era pessoa com deficiência.

Além do péssimo atendimento, o local não possuía nenhuma acessibilidade. Uma clínica destinada a atender pessoas com deficiência trazia na porta um cartaz com o aviso: ‘Cuidado com o degrau!’

Não dá para me conformar com essa situação. Vivemos sim ‘calejados’ de tanto ouvir absurdos diariamente, mas eu estou bem longe de viver conformada com esses absurdos. Preciso fazer valer os meus direitos. Direitos estabelecidos na Lei Brasileira de Inclusão (LBI).

Nossa identidade deve estar associada a valores, não a crenças. Valores são os princípios fundamentais da vida – podem ser excelência e generosidade, liberdade e justiça, respeito, segurança e integridade. Basear sua identidade nesse tipo de princípio permite que você permaneça aberto às melhores maneiras de aprimorá-los. Permita-se desconstruir para construir.

Precisamos levar informação e conhecimento sobre o tema para todos. Esse é meu propósito: – ser agente dessa transformação tão urgente e necessária para eliminar o preconceito e o capacitismo estrutural que insiste em fazer parte da nossa sociedade.

*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP

Ciça Cordeiro
Colunista VSP

Jornalista, consultora em diversidade e inclusão, gestora em cultura inclusiva, comunicação e eventos acessíveis. Palestrante, atua ainda com políticas públicas para pessoas com deficiência. É a coordenadora de comunicação e consultora em DE&I no Grupo Talento Incluir.

Foto: Ciça Cordeiro em recente palestra/Divulgação

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