Dra. Luísa Chaves dialoga sobre preconceito existente com pessoas acima do peso: “desumanização”
Todos os dias as pessoas gordas encontram desafios nos diversos ambientes (como ônibus, restaurantes, avião, laboratórios de exames e até mesmo dentro do próprio consultório), que muitas vezes não tem equipamento adequado e estão preparados para recebê-las
Por Luca Moreira
A médica de família Luísa Chaves, da Tribu Education, fala sobre o tema que apresenta desafios diários em todos os ambientes, em especial dentro do atendimento em saúde. Respeito e inclusão são formas de promover a saúde e fundamentais no atendimento clínico, sem imposição de padrões discriminatórios e, principalmente, sem barreiras ao acesso de nenhuma pessoa.
A pressão estética e os padrões de beleza impostos pela sociedade levantaram uma questão de extrema importância – a gordofobia. Porém, diferentemente da pressão estética (que todo mundo sofre em algum momento), falar sobre gordofobia vai além: significa falar sobre discriminação, sobre falta de acesso e sobre a visão de que uma pessoa gorda é inevitavelmente uma pessoa doente, mesmo sem qualquer diagnóstico que o comprove.
Gordofobia é enxergar o corpo gordo de forma desumana, excluída e sem direito à escolha. É preciso ter em mente que corpo magro não é sinônimo de saúde, e que todos tem direito a se olhar no espelho e sentir-se bem com o corpo que tem. Estamos nos referindo à autoestima, ao respeito aos direitos e ao próprio corpo, estamos falando de diversidade, de pertencimento e de ser feliz consigo mesmo.
Todos os dias as pessoas gordas encontram desafios nos diversos ambientes (como ônibus, restaurantes, avião, laboratórios de exames e até mesmo dentro do próprio consultório), que muitas vezes não tem equipamento adequado e estão preparados para recebê-las. Mas, principalmente, se deparam com a opinião e o julgamento de pessoas que as julgam inferiores, fazem piadas ou aconselham o emagrecimento mesmo sem serem profissionais de saúde, mesmo sem terem sido perguntados sobre o tema. Opinar sobre o corpo gordo é uma conduta padrão que precisa urgentemente ser revista. Confira a entrevista!
Observatório – Pautado a partir da aparente existência de um padrão exato de beleza corporal, a gordofobia, além de atingir milhares de pessoas no mundo, acabam por julgarem os que estão acima do peso de forma repugnante e desprezível. Em sua opinião, qual é o principal motivo para esse tipo de preconceito existir e como profissional, qual acredita ser a melhor solução para que esse problema acabasse?
Luísa Chaves: A meu ver, o maior fator associado à manutenção desse tipo de violência é a patologização do corpo gordo. Ao entender as pessoas como doentes, sem avaliação individual da funcionalidade, qualidade de vida e de outros vários aspectos relacionados à saúde pela perspectiva ampliada, legitima-se a exclusão e as violências são normalizadas com um discurso equivocado de que é “pela saúde”, mas violentar e excluir não promove saúde nenhuma. Como profissional de saúde, acredito ser necessária a abordagem aprofundada da temática, a capacitação urgente de profissionais e a gordofobia passar a ser entendida como uma infração ética dentro da profissão, o que ela de fato é.
Você vem trabalhando em conjunto com a TRIBU, um projeto desenvolvido pela endocrinologista Juliana Gabriel, fundadora desse projeto. Como você vê a importância desse trabalho na conscientização de temas importantes e no atendimento de forma humanizada?
A pesquisa e a educação sobre a temática são os principais caminhos para a mudança desse cenário a curto e a longo prazo. O movimento contra a gordofobia hoje no Brasil é muito forte enquanto área de estudo e de conhecimento. É fundamental entender como uma questão interdisciplinar e uma responsabilidade social de todos os profissionais. Atuar em conjunto e pautar-se na ciência é fundamental nesse processo.
Inclusive temos na plataforma Tribu, o curso “Atendimento Clínico sem gordofobia”, voltado para profissionais de saúde, com o objetivo de instruir a realização da prática clínica sem gordofobia, de maneira adequada, humanizada e focada na saúde integral.
Acredito que o mais triste em relação a esse tipo de preconceito seja pelo motivo ser algo que muitas vezes se torna prejudicial, tanto para saúde física como mental da vítima, e que com a gordofobia só agrave o mal-estar. Quais foram os piores exemplos que já presenciou desse preconceito?
Todo preconceito é prejudicial à saúde, pois o estigma leva à exclusão social e ao adoecimento. Já presenciei várias situações muito desagradáveis nos ambientes de saúde, como constrangimentos e comentários inadequados. Enquanto uma pessoa gorda, sofro e já sofri muita Gordofobia. Vou então citar um caso meu: precisei realizar um tratamento em saúde que teve como efeito colateral muita náusea e vômitos, então em poucas semanas perdi peso e me sentia muito mal. Quando retornei ao profissional, ele direcionou a consulta como se isso fosse algo positivo, mesmo que minha qualidade de vida tenha despencado, minha frequência na faculdade diminuído e minha saúde mental estivesse consideravelmente pior. Parece algo banal quando eu conto, justamente por ser comum, mas toda essa situação é muito grave e é o que adoece milhares de pessoas todos os dias, privadas de um cuidado em saúde digno em troca do estímulo à magreza “acima de tudo”, o que não está atrelado à promoção de saúde de fato.
Quando falamos sobre a baixa autoestima, principalmente quando mexemos com esses padrões que acabam definindo a estética e promovem uma aversão ao gordo, pensamos muito nas redes sociais e na influência que elas propõem. Acredita que, enquanto elas se tornam vilãs para esses casos, elas também podem ser consideradas boas formas de conscientização?
Não interpreto as redes sociais como vilãs, mas sim como um sintoma da forma que a nossa sociedade funciona. O que vende é o corpo padrão inalcançável, a rotina produtiva e um estilo de vida rico, então as redes sociais acompanham essa lógica porque lucram muito dinheiro com isso. A pressão estética é muito forte em todos os espaços e na internet não é diferente. Apesar das pessoas gordas sofrerem também com a pressão estética, a gordorfobia diz respeito a exclusão e dificuldade de acesso a serviços e espaços – e isso ganha voz e visibilidade nas redes. Há muitas pessoas hoje envolvidas em produzir conteúdo a respeito, a inspirar pessoas de todos os tamanhos e a divulgar ciência sobre! Isso é extremamente relevante sendo possibilitado pela internet também!
Infelizmente, nós vivemos hoje em um mundo onde cada vez mais presenciamos a transformação de várias situações em algum tipo de preconceito. Esse fenômeno se repete em vários sentidos, seja pela homofobia, que foge do relacionamento apenas entre os sexos opostos, a xenofobia, que se refere a pessoas de outros lugares, além da gordofobia que fala da estética de cada um. É possível entender o pensamento de alguém que veja o mundo dessa forma?
A gordofobia não fala da estética de cada um, a gordofobia é sobre a negação de direitos e de acesso que deveriam ser garantidos. A gordofobia é uma forma de violência, que prejudica diretamente quem sofre. A gordofobia uma forma de desumanização.
Não sei se é possível entender o pensamento de quem vê o mundo pela ótica da violência, talvez haja estudos a respeito. Acredito ser importantíssimo, antes, compreender a ótica de quem sofre as violências, abrir espaço e dar voz para todos os grupos invisibilizados.
Além das redes e da internet, a cultura pop também acaba não contribuindo muito às vezes para a resolução desse problema, pois muitas vezes vemos as produções e até humoristas que se utilizam do gordo como um objeto de humor. Quando colocamos no Google, por exemplo, é fácil encontrar resultados que falam de “25 piadas de gordinhos” ou vídeos que dizem que “gordo só pensa em comida”. Qual é a sua visão a respeito desse tipo de conteúdo que a cultura pop produz e como acha que deveria ser tratado tudo isso que já existe?
Na minha visão esse tipo de conteúdo é parte da violência, porque além de difamatório, desvaloriza as narrativas e reforça estigmas. A existência desse tipo de “conteúdo” é um reflexo da sociedade gordofóbica que estamos. Gordofobia não é piada, assim como nenhuma violência nunca será piada. Mas a cultura pop não se resume nisso não! Temos vários artistas de verdade que fazem humor de verdade de forma séria e respeitosa com todas as pessoas.
Apesar de muitos aconselharem o emagrecimento mesmo sem necessidade ou como forma de ofensa, quando não são profissionais da saúde, existem muitos casos de pessoas próximas que às vezes falam por pura preocupação, no caso por gostarem da pessoa e realmente tentarem ajudar com algum direcionamento para um profissional ou apenas indicarem uma atividade física. Como conseguir identificar quando essa prática se dá pelo preconceito ou como uma ação realmente de preocupação, sem que seja levado pela gordofobia?
Um profissional de saúde no início da consulta tende a perguntar “como posso te ajudar?” e é o paciente que responde como. Não tem o porquê “preocupar” com quem não pediu. A saúde de cada um compete somente à própria pessoa, aos profissionais de saúde que ela escolheu para cuidarem dela. Comentar sobre o corpo alheio e “aconselhar” de forma não solicitada não promove saúde. Não devemos comentar sobre o corpo de ninguém, independente do tamanho que a pessoa tenha.
Nessa última, dia 14 de dezembro de 2022, quarta-feira, uma mulher tentou doar sangue em uma campanha do Hemorio em Itaboraí, região metropolitana do Rio de Janeiro, e de acordo com ela, o preconceito se deu quando a enfermeira avisou a ela que ela não poderia doar devido ao peso e porque a maca não suportava o peso de 120kgs. Conforme o Hemorio, as cadeiras e macas realmente teriam essa limitação de peso, como instruiu a enfermeira, porém, a polêmica se deu pelo impacto que a situação causou. Qual é a sua opinião sobre esse caso?
Um exemplo claro de gordofobia: a ausência de estrutura adequada resulta na exclusão e no constrangimento. Não havendo nas regras de doação o limite superior de peso, caberia ao serviço ter a estrutura necessária para receber todos os corpos acima de 50 kg, como descrevem as regras de doação de sangue. Os espaços em saúde infelizmente não são preparados para receberem corpos maiores, desde as cadeiras, macas, aventais, máquinas de exames e, principalmente, capacitação das Equipes de saúde. Deixo a minha solidariedade à Aline que infelizmente passou por isso.
Publicado originalmente em Observatório dos Famosos UOL
Foto em destaque: Luísa Chaves/Reprodução Instagram
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