Entenda porque é tão importante falar sobre a gordofobia

Entenda porque é tão importante falar sobre a gordofobia
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Diariamente, pessoas gordas e pessoas obesas* saem de casa sabendo que vão encontrar pela frente inúmeros desafios. Nem sempre o transporte público, a loja da esquina ou o restaurante estão preparados para acomodá-las. A situação pode ainda ficar pior, pois, muitas das vezes, elas sabem que também vão ser alvo de piadas e julgamentos. Vamos falar sobre a gordofobia?

Por Giulia Reis**

De acordo com Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, a gordofobia é o “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”.

Trata-se de um tipo de preconceito e de discriminação que leva à exclusão social e que nega acessibilidade à pessoa gorda. Segundo dados do Ministério da Saúde, 22,35% dos brasileiros possuem obesidade. Os números quase triplicam quando o assunto é o sobrepeso, que atingiu a marca dos 57,25% no último ano.

Apesar dos números ligados ao quantitativo populacional serem expressivos no país, a advogada especialista em direto cível, Kelly Andrade, informou que a violência da gordofobia, que atinge diretamente este grupo, não é caracterizada crime no Brasil.

Não há lei sobre gordofobia, mas todo tratamento preconceituoso, pejorativo, implicará na possibilidade do crime de injúria e também em indenização por danos de ordem moral“, explicou.

– A dor de quem vivência a violência –

A violência é vivenciada desde a escola primária pelo jovem autônomo Rafael Vicente, de 26 anos. Por conta do peso, ele se sentiu obrigado a deixar de frequentar muitos lugares. “É muito estranho você chegar e ser o centro das atenções, ver pessoas olhando para você, cochichando, rindo e debochando. É desconfortável demais“, contou.

Em entrevista, Vicente relatou que, há quatro anos, evita andar de ônibus coletivo por conta da falta de acessibilidade. “Já passei por situações constrangedoras. Por exemplo, ficar agarrado na catraca, ter que deixar de pegar certo ônibus pelo fato de ser catraca dupla ou, até mesmo, ter que aguardar outro transporte porque estava lotado demais e eu, por ser grande, ocupo muito o espaço da frente“.

Atividades simples e comuns para muitos acabam sendo grandes desafios, e, a melhor alternativa pra ele, tem sido evitar.

Evito ir a praia, tirar camisa perto de pessoas, usar roupas que são apertadas que marcam o corpo, entre outras coisas“, desabafou

– Fui vítima, o que fazer? –

De acordo com a advogada, o tratamento desrespeitoso da prática da gordofobia ofende a honra subjetiva do indivíduo e pode configurar injúria. Segundo Kelly, o primeiro passo para aqueles que se sentirem vítimas da violência é o registro do boletim de ocorrência.

Além disso, em ato continuo, o indivíduo precisará buscar um advogado para mover uma queixa-crime, porque não se trata de ação penal pública, mas privada, e uma ação por indenização civil“, esclareceu.

– A punição do corpo gordo –

De acordo com a jornalista e pesquisadora da área de comunicação, Agnes Arruda, a todo momento as pessoas que compõe a sociedade são colocados dentro de “caixas”, seja em casa, no trabalho, nas redes sociais. O ser humano é forçado a se encaixar em determinados papéis e posições.

Isso tem haver com uma série de coisas, entre elas gênero e sexualidade, profissão, entre outros.Tem haver com os papéis que a gente desempenha, seja mãe, filho, amigo, parceiro, enfim, o tempo todo a gente se organiza em sociedade dessa forma” explicou.

No entanto, quando o assunto são os corpos, Agnes destaca uma outra questão: a padronização pra o consumo. Segundo ela, o indivíduo precisa estar dentro de um padrão pra consumir produtos que também são produzidos dentro de um padrão.

Eles são produzidos em massa, larga escala e padronizados. Se a gente não está dentro desse padrão, a gente não consegue consumir. Mas, vivemos dentro dessa sociedade do consumo“, destacou.

Para além disso, a pesquisadora menciona o patriarcado e o machismo, presentes na sociedade e que controlam os corpos das mulheres como uma forma, também, de controlar o comportamento.

Então, um corpo gordo é um corpo que além de não consumir, desobedece esse controle e precisa então, por essa lógica, passar por uma espécie de punição. A violência da gordofobia vem dentro desse processo“, frisou.

É então que a vigilância em relação aos corpos se torna real e o corpo que não se enquadra a padrões que são determinados, seja para consumo ou controle, é castigado.

Esse corpo vai ser punido pelas dietas restritivas, ele vai ser punido com procedimentos cirúrgicos, exercício físicos exaustivos que não fazem bem a saúde, além do preconceito, a gordofobia“, pontuou.

– Elas sofrem mais –

Apesar dos homens também estarem sujeitos a gordofobia, quando se fala de gênero o recorte é bastante importante, já que, historicamente, o corpo feminino é muito mais exigido.

A gordofobia também atinge uma camada estética. No final das contas, a gente está falando sobre o controle do corpo, mas esse controle ele acaba interferindo em uma série de outros processos“, ressalta Agnes.

Há 10 anos imersa na pesquisa sobre a temática da gordofobia, cultura e mídia, Agnes conta que o homem, principalmente o cis, hétero e branco, possui um prestígio na sociedade que a mulher não tem e, com isso, mesmo sendo gordo, ele é, eventualmente, respeitado por ser homem.

“A mulher já tem essa prerrogativa dessa sociedade patriarcal e, por ser mulher, além de tudo, ela não pode ter um corpo que diverge da norma padrão”, acrescenta.

– Como combater a gordofobia? –

Segundo Agnes, informação e conhecimento são fundamentais para quebrar as amarras que compõem essa violência. “Para erradicar a gordofobia, a gente precisa acabar com os processos de padronização e isso é algo muito difícil de se pensar dentro desse contexto“, comentou.

Para ela, o principal fator que pode dar início a esse difícil processo é a informação. É necessário esclarecer para a sociedade que ninguém escolhe o corpo que nasce e, além disso, ninguém tem o direito de opinar ou interferir no corpo do outro.

É preciso explicar e entender que os discursos que foram criados sobre pessoas gordas não foram construídas por pessoas gordas. Eles atendem a uma lógica, uma lógica do capital, uma lógica do patriarcado“, finaliza.

*Nota da Redação VSP: obesidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma doença crônica, caracterizada pelo acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo (CID 10-E66). Porém, nem toda pessoa que sofre preconceito por ser gorda é obesa, o que leva à diferenciação entre pessoas gordas e obesas, no ‘olho’ da matéria. No entanto, quem pratica a gordofobia não se atem a isso, sua discriminação atinja todos sem distinção.
Vale ainda lembrar que a própria definição de obesidade como doença, dada pela OMS, também é considerada como discriminatória.

**Publicado originalmente no portal ESHoje, com edição na Redação VSP
Foto: Reprodução/Voz das Comunidades

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