Preconceito com dependente químico atrapalha o tratamento
Dependência química é uma doença, e seu tratamento inclui suporte à saúde mental, mudanças no comportamento da pessoa, assim como respeito e acolhimento de familiares, amigos e da sociedade
Por Sarah Alves Moura
A dependência química é uma doença crônica, sem cura, mas que tem tratamento. A condição tem causas múltiplas, uma teia que inclui fatores genéticos, sociais e emocionais. Com isso, o tratamento é complexo e demanda, sobretudo, de suporte à saúde mental e mudanças no comportamento da pessoa.
Foi assim com Walter Casagrande Júnior, ex-jogador, comentarista esportivo e colunista do UOL. Em entrevista ao VivaBem em agosto deste ano, ele detalhou os estágios da doença e as fases do tratamento, que incluíram quatro internações em clínicas de reabilitação. Aos 59 anos, Casagrande não bebe, nem usa drogas há sete anos, e parou de fumar há três.
Nesta quarta-feira (9), a doença do ex-jogador voltou a ser assunto nas redes sociais, após Neymar curtir um tweet que debochava da dependência de Casagrande. Em resposta, o comentarista escreveu uma coluna afirmando que “qualquer deboche é uma perversidade“.
“Já dei inúmeras entrevistas sobre essa doença, que é gravíssima. É classificada como uma doença progressiva, crônica e fatal. Esse é um assunto muito sério, no mundo inteiro, não só aqui no Brasil. Entre 10 dependentes, no máximo dois conseguem se recuperar“, diz parte do texto.
O preconceito contra a dependência química parte, em sua maioria, da falta de entendimento sobre a condição. Desde 1964, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece o abuso de substâncias lícitas e ilícitas como doença. Mas, para muitas pessoas, ela é vista como um hábito capaz de ser controlado apenas com força de vontade.
“Coloca-se o dependente como uma pessoa fraca. Tem muito essa questão de associar a dependência à fraqueza de caráter. É importante ter força de vontade para superá-la, mas você não vence só com isso. É preciso tratamento, porque senão a recaída é muito grande“, defende o psiquiatra Raphael Boechat, professor da UnB (Universidade de Brasília).
Em 2018, Casagrande comentou em entrevista ao “Altas Horas” (TV Globo) como o preconceito o impactou. “A sociedade lidar com dependente químico é muito difícil, porque não vê como uma doença, a grande maioria acha que é um marginal“, disse. “Tem um preconceito, uma preocupação, uma desconfiança. É difícil dar um cargo de confiança quando o cara é dependente químico.“
Segundo Boechat, o esforço de sociedades médicas, da imprensa e figuras públicas, como o próprio Casagrande, faz diferença e ajuda a conscientizar.
A incompreensão da dependência química como uma doença crônica e que exige abordagens multifatoriais também prejudica a adesão ao tratamento. “Vai virando uma bola de neve e o dependente começa a se achar fraco, porque tem tanto reforço da sociedade que introjeta isso. E ele pode entrar em depressão, inclusive o risco de suicídio ou overdose é enorme“, completa Boechat, alertando que os dois desfechos são comuns para pacientes que não tratam a doença.
– Dependência altera percepções de prazer –
Como o prazer da droga é alto, nem de longe comparado a outros da vida real, o uso crônico causa alterações no cérebro que induzem o dependente a sempre buscar a substância, e o anestesia para outros estímulos.
“O cérebro se adapta a responder ao estímulo muito intenso no seu sistema de recompensa. Como a droga tem potencial alto de disparar estímulos, ele acaba sempre optando por aquela substância“, explica a psiquiatra Dângela Lassi, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Outras atividades ficam sutis e se tornam pouco importantes. Relações interpessoais, trabalho e até mesmo o que gerava prazer (como sexo, festas, ir a lugares dos quais se gosta) perdem relevância. Há afastamento da família e de outros compromissos do dia a dia.
Por isso, o tratamento é focado na adaptação fisiológica e social. “É preciso se reacostumar a fazer atividades que perdeu habilidade, reestruturar tanto a parte biológica, para responder às emoções de forma mais saudável, quanto se readaptar a estar em ambientes e ter respostas de prazer com essas atividades“, diz Lassi.
A abstinência total, sem qualquer tipo de substância —inclusive álcool— é defendida por médicos que tratam a doença, porque é comum que uma pessoa com dependência prévia desenvolva adicção por outro estímulo.
A “migração” ocorre porque o que capitaneia a doença é a compulsão, capaz de incentivar a busca por estímulos que compensem o déficit no sistema de recompensa do cérebro —como remédios com potencial de abuso, compras e até mesmo jogos eletrônicos.
Publicada originalmente em VivaBemUol, com edição na Redação VSP
Foto: Walter Casagrande Jr/Reprodução Instagram
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