Etarismo feminino: quando envelhecer se torna cruel
A ciência já comprovou que as mulheres vivem mais do que os homens. No Brasil, segundo o IBGE, enquanto a média de expectativa de vida dos homens é de 73 anos, a do público feminino chega aos 80. Por conta dessa diferença, um assunto tem se destacado na mídia: o etarismo feminino, já ouviu falar?
Por Giulia Reis*
O Etarismo, termo usado para definir a discriminação contra pessoas com base em estereótipos associados à idade, é uma violência, que além de alimentar uma visão negativa em relação à capacidade intelectual, quando se refere ao gênero feminino também intensifica a pressão estética e demais cobranças impostas às mulheres desde a infância.
De acordo com a advogada e mestranda em sociologia política, Jussara Arrigoni, o etarismo é uma crença, profundamente enraizada na sociedade, que estipula uma validade para a capacidade produtiva e funcional do ser humano. “Apesar de também afetar o público masculino, são as mulheres que mais sofrem com o preconceito frente ao envelhecimento“, pontuou.
Em entrevista, a empresária Glace Damiana, de 48 anos, contou como foi ridicularizada quando revelou que tinha um sonho de fazer uma faculdade. “Riram de mim, disseram que o meu tempo já está esgotado e que eu não tinha mais idade para me aventurar“, relembrou.
Damiana contou ainda, que esta não é a primeira vez que tentam a limitar por conta da idade e, apesar das críticas, ela tenta não se abater. “Nós, mulheres de 40, 50, 60 anos estamos vivas, podemos sonhar, podemos namorar, podemos fazer o que quisermos. Não temos prazo de validade, não somos um objeto, somos pessoas“, frisou.
Tantas cobranças sobre a idade acabaram deixando a produtora de conteúdo, Luciana Barbosa, de 40 anos, um pouco insegura consigo mesma. “Me sinto muito cansada de ter que lidar com tudo sozinha, vivo com um sentimento de ter que carregar o mundo nas costas“, desabafou.
Segundo a pesquisadora Arrigoni, a preocupação de Barbosa não é algo isolado, ser multitarefas é uma obrigação atribuída as mulheres do tempo atual e, com o avançar da idade, essa sobrecarga vem acompanhada de críticas e descredibilidade. “É nesse contexto que a crueldade do etarismo se revela de forma mais aguçada, pois além de administrar uma rotina exaustiva, mulheres não tem o direito de aparentar a idade que possuem“, pontuou.
Divorciada há 12 anos, Luciana contou que no futuro se ver em um relacionamento tranquilo, baseado em respeito e reciprocidade e, carrega como um lema, tentar não se preocupar com os que os outros pensam.
“Tenho apenas 40 anos, nas horas vagas eu dedico meu tempo ao inglês, o que já consome todas as minhas energias, pois faço um curso intensivo de conversação. Meu maior hobbie é programações que envolvam pizzas e açaís e, daqui há 10 anos, me imagino em outro país“, conta Luciana.
– A face mais cruel do etarismo feminino –
É cruel não poder envelhecer! E, talvez seja nesse momento que o etarismo sofrido por homens e mulheres se diferencie ainda mais. “Muitos traços físicos, que são vistos como interessantes, atraentes ou até mesmo imponentes em homens mais velhos, como o embranquecimento dos cabelos ou rugas, são vistos como descaso e ridicularizado quando ocorrem em mulheres“, explicou a pesquisadora.
A costureira Roseane Ribeiro, de 49 anos, contou que por muito tempo ocultou a idade por vergonha e medo de ser tratada de forma desigual. “Quando os fios brancos começavam a aparecer eu surtava, não queria ser vista como velha, tinha medo de acharem que eu não gostava de me cuidar“.
Ela relata que até hoje convive com uma luta interna em relação a isso, mas aos poucos tem conseguido se libertar. “Quando me perguntam, eu grito com orgulho que estou prestes a fazer 50 anos. É um marco, e também um recomeço, já que agora tenho mais tempo de pensar só em mim, me sinto mais viva do que nunca“, ressaltou.
Algo parecido também ocorre quando o assunto é o comportamento, existe um padrão nada flexível usado para representar mães e avós ideais que, quando é rompido, pode ser enxergado como um problema. “O esperado é que sempre sejam mulheres voltadas completamente ao lar, muito caseiras, sem desejos ou aspirações próprias“, destacou Arrigoni.
Muito criticada por gostar de sair a noite, Roseane contou que já chegou a ouvir dos próprios filhos que quando completar 50 anos vai precisar da uma segurada na curtição. “Minha idade não me limita, eu posso ir aonde eu quiser e isso não é uma vergonha. Sou adulta, sou capaz e tenho uma vida inteira para viver“.
De acordo com a mestranda, quando o assunto são os homens as coisas mudam, eles podem ser aventureiros e divertidos sem grandes problemas, são inclusive estimulados a isso.
“Quem nunca viu um artista renomado de Hollywood assumindo os cabelos grisalhos enquanto vende a ideia que não existe idade para ser um homem de sucesso?”
– Não tenha medo de envelhecer! –
Os dados do IBGE revelaram que as mulheres costumam viver mais que os homens, mas é importante dizer que isso não acontece por uma determinação biológica ou por um fator genético. Segundo a mestranda, mulheres são criadas e educadas para exercerem funções relacionadas ao cuidado e manutenção do outro.
“É compreensível que elas sejam mais reflexivas em suas tomadas de decisões, atentas aos cuidados com a saúde (dela e de outros) e prezem pela segurança“, destacou.
Compreendendo isso, é importante ressaltar que não existe uma única resposta para a problemática do etarismo. De acordo com a pesquisadora Arrigoni, para combater essa violência, é preciso pensar em duas frentes. A primeira, envolve educar, principalmente as gerações mais novas, a não ter medo de envelhecer.
“O envelhecimento é algo natural e que vai ocorrer com qualquer indivíduo que não sofra uma morte precoce, é algo positivo, e que não devemos lutar contra“, destacou.
Já a segunda, envolve uma maior cobrança das diferentes esferas do poder público, por maior atenção as necessidades das pessoas idosas do país.
“Reconhecer que pessoas idosas tem necessidades diferentes, não é o mesmo que limitar o potencial delas, pelo contrário, e nosso papel como cidadão é lutar por um processo de envelhecimento digno“, finalizou.
*Publicada originalmente no Jornal ESHoje, com edição na Redação VSP
Foto em destaque: Pavel Danilyuk/Pexels
Siga o Viver Sem Preconceitos nas Redes Sociais
Curta, comente, compartilhe…
Vamos fazer do mundo um lugar melhor para se viver,
um lugar com menos preconceitos!
O Portal Viver Sem Preconceitos autoriza a reprodução de seus conteúdos -total ou parcial- desde que citada a fonte e da notificação por escrito.
Para o uso de matérias e conteúdos de terceiros publicados aqui, deve-se observar as regras propostas por eles.