O feminicídio e suas raízes na misoginia

O feminicídio e suas raízes na misoginia
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Em seu primeiro artigo para o Portal Viver Sem Preconceitos, a estudante de comunicação social, Ana Beatriz Sapata, aborda casos de feminicídio e fala como as raízes desse crime estão ligadas à misoginia

Por Ana Beatriz Sapata*

Vitória Regina de Sousa, Bruna Oliveira da Silva, Melissa Campos. Sabe o que esses três nomes têm em comum? Todos pertencem a jovens garotas que foram brutalmente assassinadas entre fevereiro e maio de 2025. Mais um fator em comum? Todas mortas por homens.

O caso de Vitória ficou conhecido por todo o país, deixando uma nação em choque. A adolescente de 17 anos desapareceu dia 26 de fevereiro, sendo encontrada morta dia 5 de março em Cajamar, na Grande São Paulo. Foi identificado no corpo da vítima três facadas, além de cortes no tórax, pescoço e rosto. Haviam sinais de tortura e seu cabelo estava raspado, como indicado pelos peritos da Superintendência da Política Técnico-Científica (SPTC) do estado de São Paulo.

Maicol Antonio Sales dos Santos é o nome do assassino. O homem de 26 anos admitiu a autoria do crime, alegando que sua motivação foi a vingança, visto que não era correspondido pela menina.

Bruna, de 28 anos, desapareceu em 13 de abril, sendo encontrada morta 4 dias depois (17 de abril) na Estação Itaquera, Zona Leste de São Paulo. A estudante foi perseguida por Esteliano Madureira, 43 anos, principal suspeito do assassinato, e achada em um terreno próximo a um estacionamento na região da estação, sem vida. Seu corpo apresentava queimaduras e ferimentos, além da grande probabilidade de que tenha sido estrangulada e abusada sexualmente.

Melissa era uma adolescente de 14 anos. No dia 8 de maio, foi morta a facadas por um colega de classe em Uberaba, Minas Gerais. O jovem que cometeu o crime alega que sentia inveja da garota, possível motivação para tal ato cruel. Antes de tomá-la de surpresa, desferindo um golpe em seu coração, o adolescente entregou um bilhete à menina, declarando sua “sentença de morte”.

Todos esses atos se resumem a uma definição: feminicídio.

Feminicídio é o assassinato de uma mulher em razão do seu gênero. Em outras palavras, o que motiva o autor do crime ao assassinato é o fato da vítima ser do sexo feminino. Portanto, embora haja uma desinformação na mídia, não significa que qualquer morte de mulher consista em um feminicídio, apenas quando a motivação para tal se baseia no fato da mulher ser uma mulher. O dado alarmante é que em 2024, o Brasil registrou 1.450 feminicídios. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada seis horas, uma mulher é morta.

Em um país onde o direito à vida, garantido pela Constituição Federal, não é levado a sério, torna-se impossível viver plenamente.

Um problema que, claramente, já não é simples, tem raízes ainda mais profundas. O feminicídio tem como sua motivação o menosprezo ou discriminação à condição de mulher, relação ligada direta e intrinsicamente à misoginia.

Mas afinal, o que é isso?

Misoginia, oriunda de uma sociedade patriarcal habituada a valorizar o homem e desvalorizar a mulher, é a “discriminação, preconceito, propagação do ódio ou aversão praticados contra mulheres por razões da condição do sexo feminino”, como definido pela Câmara dos Deputados. É um comportamento social, arraigado nos ensinamentos e presente, despercebidamente, em práticas diárias. Ou seja, o que motiva o feminicídio é a misoginia. É como se o assassinato fosse o ápice do preconceito. Devido à mentes misóginas, a mulher é vista como um ser desvalorizado, inferior, uma propriedade, passível a violência. Acredita-se que pode sim controlá-las, dominá-las e, em casos extremos, matá-las.

Embora nenhuma dessas práticas seja restrita à relação de um homem sobre uma mulher, de acordo com um estudo realizado pela CNN Brasil em 2020, 90% dos assassinatos motivados pelo menosprezo ao sexo feminino foram realizados por homens, mais especificamente maridos e ex-maridos. Mesmo que alarmante, tal fato não é surpreendente. Em uma realidade patriarcal, é de se esperar que o homem acredite ter tal domínio sobre a mulher.

O que mais impressiona é que 51,5% da população brasileira é composta pelo gênero feminino. Ou seja, mais da metade do país. E, mesmo que dominem a demografia, vivem diariamente ameaçadas por uma insegurança aterrorizante. Ser mulher no Brasil significa ter medo constante, em qualquer lugar, a qualquer momento. É ter que se manter alerta de todos a sua volta, pois nunca se sabe onde está o próximo criminoso. Uma mulher no Brasil nunca está em paz. Não existe um ambiente seguro para ela. Sua vida está em risco constante, qualquer cenário pode, rapidamente, se transformar em uma cena de crime.

Temos aqui como prova os três casos citados no início da matéria. Três mulheres, de idades diferentes, em lugares diferentes, horários diferentes e situações diferentes. Todas mortas. Os assassinos apresentavam relações distintas com as vítimas. Maicol, por exemplo, morava na vizinhança de Vitória. Já Esteliano aparentemente não conhecia Bruna. O adolescente era colega de escola de Melissa.

Não existe um padrão, uma regra. Pode vir de qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar. Essas mulheres estavam seguindo suas rotinas, realizando seus afazeres, vivendo suas vidas. Todas foram brutalmente interrompidas pela distorção que a violência gera no cérebro humano, pela deturpação de uma sociedade preconceituosa e perpetuadora de valores misóginos. Homens as perseguiram, violentaram, abusaram e mataram. Acabaram com suas vidas como se tivessem algum direito sobre elas, alguma posse, alguma superioridade. Consolidaram a maior injustiça que pode ser cometida contra a existência de alguém: as impossibilitaram de continuar a existir.

Não é justo que mulheres tenham de incorporar “precauções” à suas vidas para que possam evitar serem mortas. Spray de pimenta, arma de choque, não andar sozinha à noite, ficar atenta a todos os olhares, todos os movimentos.

Essas mesmas pessoas que vivem em estado de desconfiança, compõem a parcela majoritária da população. São elas que abrangem diversos papéis sociais, como criação e educação dos filhos, mas também atuação política, científica, artística e presença crucial em resistências sociais.

Tal luta pelo respeito aos seus direitos, igualdade de gênero e desconstrução de mentes machistas consiste no feminismo, uma prática que tem sido banalizada na sociedade contemporânea. Mas isso é assunto para outro artigo.

*O texto produzido pela estagiária Ana Beatriz Sapata foi supervisionado pelo jornalista Cleber Siqueira

Foto: Reprodução Internet

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