Kwanzaa: sete dias para celebrar quem somos

Kwanzaa: sete dias para celebrar quem somos
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Uma tradição que une ancestralidade, coletividade e resistência

Por Fabiana Conceição*

Dezembro é aquele mês que traz a ideia de fim de um ciclo, em que a gente normalmente pensa mais em família, em partilha, em vida. Para muitas tradições, é tempo de Natal, com troca de presentes, ceias e reuniões. Mas dezembro também guarda outras formas de celebrações, como o Kwanzaa – uma festa criada para reconectar as pessoas negras em diáspora às suas raízes, histórias e à força da coletividade.

Talvez você já tenha ouvido falar do Kwanzaa em um episódio de Todo Mundo Odeia o Cris, quando Rochelle convence a família a comemorar as festividades. Na série, o Kwanzaa é apresentado como um Natal negro, mas a verdade é que o Kwanzaa não é uma celebração religiosa, e sim um resgate de cultura, ancestralidade e resistência.

O Kwanzaa nasceu em 1966, nos Estados Unidos, criado pelo professor Maulana Karenga durante o Movimento dos Direitos Civis. A ideia era reconectar a comunidade negra às suas origens, reafirmar sua identidade e celebrar os valores que nos sustentam enquanto povo.

O nome Kwanzaa vem do suaíle matunda ya kwanza, que significa primeiros frutos . É sobre colheita, sobre o que plantamos em nossas vidas e em nossas comunidades, e sobre a importância de compartilhar isso com os outros. A comemoração dura sete dias, de 26 de dezembro a 1º de janeiro, e cada dia é dedicado a um dos sete princípios, chamados Nguzo Saba. São ideias práticas, quase como guias, que nos ajudam a pensar em como viver e fortalecer nossa comunidade.

No primeiro dia, comemoramos a Unidade (Umoja) , que nos lembra da força que vem de estarmos conectados. Unidade é estar fisicamente juntos e considerar que, mesmo com nossas diferenças, somos parte de algo maior – uma história, uma luta, uma ancestralidade. Quando enxergamos como parte dessa rede, percebemos o quanto somos mais fortes juntos. Esse princípio nos provoca a reflexão sobre como podemos criar mais unidade ao nosso redor ou que ações simples podem aproximar pessoas e fortalecer nossos laços.

O segundo dia traz a Autodeterminação (Kujichagulia), um princípio que fala sobre decidir por nós mesmos quem somos. É sobre contar nossa história com as nossas palavras, rejeitar rótulos impostos e afirmar nossa identidade com liberdade. Decidir quem somos é um ato de coragem e um exercício diário. Precisamos saber nos definir, praticar ações que reflitam nossa identidade e nos perguntar: quando foi a última vez que conversamos por nós ou por nossa comunidade?

No terceiro dia, refletimos sobre o Trabalho Coletivo e Responsabilidade (Ujima) . O progresso é uma construção coletiva e, por isso, precisamos cuidar uns dos outros, assumir responsabilidades e criar soluções conjuntamente para os desafios da nossa comunidade. “Nós por nós” é o lema, e precisamos pensar em como colaborar para enfrentar os desafios e fortalecer nossa comunidade.

No quarto dia, pensamos na Economia Cooperativa (Ujamaa) . Fortalecer a economia da nossa comunidade é mais do que uma ação individual: é um compromisso coletivo. Economia cooperativa é sobre apoiar negócios negros, criar redes de apoio econômico e garantir que a prosperidade circule dentro da comunidade, promovendo prosperidade coletiva. É o conceito do Black Money, que nos lembra da importância de investir em quem nos representa. Por isso, precisamos pensar em quais negócios negros temos apoiados e como podemos incentivar o empreendedorismo ou compartilhar conhecimentos com quem precisa.

Esses princípios não estão isolados – eles se complementam. Por exemplo, o Propósito (Nia), realizado no quinto dia, se realiza na prática por meio do trabalho coletivo e da economia cooperativa. O propósito é alinhar nossas ações aos nossos valores, lembrar por que estamos aqui e como nossas escolhas de hoje podem pavimentar o caminho para as próximas gerações. É sobre encontrar sentido na vida individual e na contribuição coletiva. É refletir sobre como vivemos nosso propósito, como nossas vidas beneficiam outras pessoas e o que podemos fazer para construir um legado.

A Criatividade (Kuumba), celebrada no sexto dia, também se conecta a esses valores. É o princípio que nos convida a melhorar o mundo ao nosso redor com as ferramentas que temos. Criatividade é sobre transformar, resolver problemas e deixar um legado de beleza e significado. O que temos feito para tornar nossa comunidade melhor? Que legado criativo deixamos para nós, para a nossa comunidade e para o mundo ao nosso redor?

Por fim, no último dia, refletimos sobre a Fé (Imani) . Este princípio não é sobre religião, mas sobre acreditar: acreditar em nós mesmos, na força da nossa comunidade e no poder da nossa história. É a fé de nos mantermos firmes, mesmo quando tudo parece difícil. Precisamos pensar em como nossa fé fortalece nossa comunidade e nossa trajetória, e o que pode nos inspirar a continuar acreditando.

O Kwanzaa é uma celebração da nossa existência, do nosso legado e da nossa alegria! No Brasil, ele ainda é pouco conhecido, talvez porque tenhamos nossas próprias formas de resistência e celebrações, como o samba, a capoeira e as religiões de matriz africana. Mas o espírito do Kwanzaa é universal, porque é um convite para mais uma forma de nos celebrarmos, refletindo sobre o que estamos plantando enquanto comunidade, que histórias estamos contando e que conexões estamos fortalecendo.

Celebrar o Kwanzaa é honrar quem veio antes de nós, considerar a força de quem somos hoje e preparar o terreno para quem virá. É um lembrete de que, apesar de tudo, seguimos aqui. Porque resistir é existir, e existir é celebrar.

Feliz Kwanzaa!

*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP

Foto: Partners in Care Foundation

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