Etarismo no ambiente de trabalho
Considerada como um um obstáculo à diversidade e à inclusão, a discriminação por idade é classificada pela Organização Mundial da Saúde como um fenômeno social complexo
Por Geny Lisboa e Deborah Molitor*
A discriminação com base na idade, conhecida como etarismo ou idadismo, é uma realidade que atinge com frequência a população idosa, particularmente no ambiente de trabalho. Esse preconceito é ainda mais preocupante diante do crescimento expressivo da população com mais de 60 anos no Brasil, e a exclusão etária revela-se um desafio tanto para a sociedade quanto para o ordenamento jurídico.
O etarismo é abordado de maneira crítica no “Relatório Mundial sobre Idadismo” da Organização Mundial da Saúde (OMS), que classifica a discriminação por idade como um fenômeno social complexo, capaz de prejudicar gravemente as relações intergeracionais. No Brasil, esse problema se manifesta fortemente no mercado de trabalho, onde a prática discriminatória não apenas impede o acesso, mas também influencia a manutenção de emprego para pessoas mais velhas. E, para aqueles que já dedicaram muitos anos à mesma atividade, a demissão pode significar, além do rompimento financeiro, a perda do sentido de pertencimento e contribuição.
O Brasil conta com uma estrutura legal voltada à proteção dos direitos da pessoa idosa. O Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003) é o principal diploma jurídico nesse campo e estabelece que a sociedade, a família e o poder público devem garantir à pessoa idosa a efetivação de direitos fundamentais, incluindo o direito ao trabalho. Em seu artigo 3º, o Estatuto assegura a essa população, com prioridade, o direito à dignidade e ao respeito, refletindo uma preocupação com a inclusão e com o combate às práticas discriminatórias.
Além disso, o artigo 26 da mesma lei prevê que o idoso tem direito ao exercício da atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, psíquicas e intelectuais. Essa disposição legal procura garantir que a pessoa idosa possa continuar ativa no mercado de trabalho, exercendo funções que estejam em conformidade com suas capacidades.
Para reforçar a proibição de práticas discriminatórias, a Lei 9.029/1995, conhecida como Lei da Discriminação no Trabalho, prevê, em seu artigo 1º, a adoção de qualquer prática discriminatória que dificulte o acesso de uma pessoa ao mercado de trabalho ou que comprometa a continuidade de seu emprego.
A prática discriminatória pode acarretar sérias consequências para o empregador. O artigo 4º da mesma Lei 9.029/1995 determina que, quando comprovada uma dispensa de natureza discriminatória, o trabalhador tem direito à indenização por danos morais. Além disso, a legislação permite que o empregado opte entre a reintegração ao emprego com pagamento retroativo de todos os salários ou o recebimento em dobro da remuneração do período de afastamento.
Seguindo a tendência de outros países no combate ao etarismo no ambiente de trabalho, há o Projeto de Lei nº 3.549/2023, que propõe a criação do Programa Nacional de Prevenção ao Etarismo, visando promover um ambiente mais inclusivo e justo para os profissionais mais velhos. Outros países já possuem leis para combater o etarismo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Age Discrimination in Employment Act protege trabalhadores a partir dos 40 anos, impedindo práticas discriminatórias que poderiam limitar suas oportunidades. A União Europeia, por meio da Diretiva 2000/78/CE, estabelece padrões para garantir igualdade no trabalho, enquanto no Japão existem incentivos para que trabalhadores mais velhos permaneçam ativos no mercado, valorizando sua experiência e evitando o desperdício de talentos.
No entanto, a concretização de tais proteções requer não apenas o cumprimento da lei, mas também uma conscientização por parte das empresas e da sociedade em geral sobre a importância da experiência e do valor que o trabalhador idoso pode trazer ao ambiente profissional.
Por meio do ESG (ambiental, social e de governança), consistente em práticas e princípios que uma empresa adota para ser socialmente consciente, sustentável e bem gerida, algumas organizações estão implementando programas de sensibilização e treinamento que buscam construir uma cultura inclusiva. Esses programas são uma resposta ao etarismo estrutural, promovendo uma força de trabalho diversa e, assim, tornando as empresas mais inovadoras e competitivas. Essa inclusão tem sido associada a benefícios econômicos significativos, dado que equipes que possuem profissionais em faixas etárias diversas impulsionam a troca de conhecimento e aumentam a produtividade.
O combate ao etarismo, além de atender a requisitos legais e éticos, traz inúmeros benefícios para as organizações e para a sociedade. A diversidade etária enriquece a cultura corporativa, fortalece a troca de conhecimentos e melhora o desempenho organizacional, construindo um mercado de trabalho mais inclusivo, humano e competitivo.
Em um país que valoriza a diversidade e onde o envelhecimento populacional é uma realidade, a luta contra o etarismo e a promoção de um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso se tornam mais que uma questão jurídica, mas um imperativo ético.
*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP
Geny Lisboa e Deborah Molitor
Colunistas VSP
Geny Lisboa, advogada com mais de 25 anos de experiência atuando no contencioso estratégico e processos envolvendo relações homoafetivas. Joga volei, gosta de viajar e de boas conversas.
Deborah Molitor, advogada com mais de 30 anos de experiência, atua especialmente na área empresarial, direito do trabalho e direito de família. Adora ler, escrever e de conversar com pessoas.
Ambas são sócias fundadoras da Lisboa e Molitor Advogadas.
Foto: Kaboompics.com/Pexels
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