Educação, trabalho e capacitismo
O que falta para a inclusão real e algumas reflexões sobre os desafios das pessoas com deficiência
Por Ciça Cordeiro*
Durante o mês de setembro, comemoramos várias datas relacionadas à pessoa com deficiência, como o Dia do Teatro Acessível (19/009), Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (21/09), o Dia Internacional das Línguas de Sinais (23/09) e o Dia do Surdo (26/09). Essas datas são momentos cruciais para ampliar o debate sobre a necessidade de uma sociedade mais inclusiva e acessível. Elas são uma oportunidade para discutir os avanços e, principalmente, os desafios que ainda precisam ser superados.
Em setembro, o mês dedicado à conscientização sobre os direitos das pessoas com deficiência, é essencial refletir sobre os desafios que essa população ainda enfrenta, especialmente nas áreas de educação e trabalho. Embora muitas conquistas tenham sido alcançadas, ainda existem barreiras estruturais e sociais que limitam a plena inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.
– Desafios na educação –
A inclusão escolar, um direito garantido por leis como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a Constituição Federal, ainda encontra obstáculos. As escolas, em muitos casos, não estão preparadas adequadamente para receber alunos com deficiência, faltando adaptações físicas, materiais pedagógicos acessíveis e, principalmente, capacitação dos professores. Estudantes com deficiência, especialmente aqueles que necessitam de tecnologias assistivas ou adaptações no currículo, muitas vezes são negligenciados no processo educacional.
A luta pela inclusão vai além de colocar a pessoa com deficiência na sala de aula. Trata-se de garantir que ela tenha acesso ao conteúdo de forma adaptada e inclusiva, para que realmente participe do processo de aprendizagem. A falta de acessibilidade digital, por exemplo, ainda exclui muitos estudantes, o que foi intensificado com a pandemia, quando as aulas migraram para o formato online, sem a devida adequação para aqueles que dependem de tecnologias específicas, como leitores de tela ou intérpretes de Libras.
– Desafios no mercado de trabalho –
No mercado de trabalho, a situação é semelhante. A Lei de Cotas (Lei 8.213/1991), que obriga empresas com mais de 100 funcionários a contratar uma porcentagem de pessoas com deficiência, foi um marco importante, mas sua aplicação ainda está aquém do esperado. Muitas vezes, essas contratações são vistas apenas como uma obrigação legal, sem uma real preocupação com a inclusão efetiva desses profissionais no ambiente de trabalho.
O ambiente corporativo nem sempre oferece as adaptações necessárias para que uma pessoa com deficiência exerça suas funções de forma plena. Além disso, a percepção de que pessoas com deficiência são “menos capazes” ou que não têm a mesma produtividade que outras continua sendo uma barreira significativa para a inclusão. O capacitismo, que é o preconceito baseado em suposições sobre a capacidade de uma pessoa com deficiência, ainda está profundamente enraizado nas práticas de contratação e nas interações diárias.
– Capacitismo e barreiras sociais –
O capacitismo é um dos maiores desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência. Ele se manifesta na forma de preconceitos sutis ou explícitos, como a subestimação de suas habilidades ou a infantilização de adultos com deficiência. Esse preconceito muitas vezes impede que a sociedade enxergue as pessoas com deficiência como indivíduos plenos, com potencial para contribuir em todas as esferas da vida, sejam elas educacionais, profissionais ou sociais.
O capacitismo é também perpetuado pela narrativa da “superação”, que coloca pessoas com deficiência em uma posição onde são valorizadas apenas quando conseguem “vencer” suas limitações e atingir resultados que a sociedade não espera delas. Essa visão, embora possa parecer positiva em um primeiro momento, desumaniza a pessoa com deficiência ao ignorar que a verdadeira luta não é contra a deficiência em si, mas contra a falta de acessibilidade e inclusão.
– Paralimpíadas: além da superação –
Recentemente, tivemos as Paralimpíadas, um evento que mostra a capacidade e a competência de atletas com deficiência em níveis de excelência. Foram 89 medalhas, sendo 25 de ouro, 26 de prata e 38 de bronze, uma grande conquista para o país! Porém, é importante fugir da narrativa comum de “superação”, que costuma reduzir esses atletas ao estereótipo de “heróis que superaram suas condições”. O esporte paralímpico deve ser visto pelo que realmente é: uma demonstração de profissionalismo, talento e dedicação, como em qualquer outro evento esportivo de alto nível.
Os atletas paralímpicos não são “super-heróis” por terem uma deficiência, mas sim, competidores de elite que treinam arduamente para alcançar o sucesso em suas respectivas modalidades. A romantização da “superação” ofusca os reais desafios que eles enfrentam, que são as barreiras estruturais, falta de patrocínio e de visibilidade.
Apesar dos avanços, os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência no Brasil, principalmente na educação e no mercado de trabalho, são profundos e complexos. A verdadeira inclusão só será alcançada quando rompermos as barreiras do capacitismo e oferecermos igualdade de condições para que todos possam estudar, trabalhar e viver de forma plena. Setembro, com suas datas dedicadas à conscientização, nos lembra da importância de continuar essa luta, e de transformar a inclusão em uma realidade cotidiana, não em uma exceção.
*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP
Ciça Cordeiro
Colunista VSP
Jornalista, consultora em diversidade e inclusão, gestora em cultura inclusiva, comunicação e eventos acessíveis. Palestrante, atua ainda com políticas públicas para pessoas com deficiência. É a coordenadora de comunicação e consultora em DE&I no Grupo Talento Incluir.
Foto: Ale Cabral/CPB
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