Que cabelo exótico, posso tocar?

Que cabelo exótico, posso tocar?
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Discriminações e preconceito acontecem diariamente na forma de microagressões e nem sempre estão relacionadas a uma ofensa direta, muitas vezes são elogios que reforçam estereótipos

Por Fabiana Conceição*

Desde o início da minha vida profissional, eu utilizo meus cabelos com forte referência à estética negra, seja assumindo os crespos, usando tranças ou adereços com referência africana.

E desde sempre sofri e ainda sofro microagressões diárias por assumir meus cabelos que, para mim, são um símbolo de resistência e expressão da minha identidade e herança ancestral.

As microagressões nem sempre estão relacionadas a uma ofensa direta, muitas vezes são elogios que reforçam estereótipos, perguntas invasivas como questionar como lavamos os cabelos, tocar no cabelo sem permissão, justificando que quer sentir a textura ou até mesmo dar opinião sobre gostar ou não de como estamos usando o cabelo no momento.

Uma vez, em um restaurante, ofereceram um prêmio super importante para a organização onde trabalhava. Sentei-me ao lado do diretor e ele não fez nenhuma menção sobre o prêmio e os desafios e aprendizados da regional. Ele quis saber sobre meu cabelo, se os dreads que eu usava não prejudicavam a saúde e, por fim, disse que eu podia usar o cabelo igual ao da Taís Araújo.

Sofri preconceito também em atendimento a uma cliente que eu não via há algum tempo e, nesse ínterim, eu havia colocado os dreads. A primeira fala dela foi perguntar por que mudei o cabelo e se eu podia lavar!

Esses são alguns exemplos e, provavelmente, escreveria um livro sobre todas as situações vividas diariamente por assumir os cabelos crespos e ou com forte referência à estética negra, recebendo opiniões sobre a textura, volume ou estilo do meu cabelo crespo, expressões de surpresa ou desaprovação ao ver alguma mudança que fiz, a insistência em tocar no meu cabelo e as falas racistas disfarçadas de elogios.

Todas essas vivências trazidas por mim, ouso dizer que são ou já foram vividas por todas as mulheres negras. E, diante destas vivências racistas, muitas mulheres optam por se adequar aos padrões do mercado de trabalho, alisam seus cabelos para se sentirem aceitas nas entrevistas de emprego.

O Estudo de Pesquisa no Local de Trabalho – Crown 2023, informa que duas em cada três mulheres negras sentem a necessidade de alisar seus cabelos para se sentirem mais aceitas em entrevistas de emprego. O medo de não serem bem-sucedidas nesses processos seletivos afeta mais da metade delas. E 25% delas acreditam que já foram rejeitadas em uma entrevista por causa de seu cabelo.

E para corroborar com a percepção das mulheres negras, uma outra pesquisa, realizada pela Dove em parceria com o LinkedIn, apresentou que o cabelo das mulheres negras, com suas texturas naturais é 2,5x mais propenso a ser considerado pouco profissional. E as mulheres que resolveram permanecer com seus cabelos crespos ou cacheados têm uma probabilidade duas vezes maior de enfrentar microagressões no ambiente de trabalho em comparação com mulheres negras que possuem cabelos mais lisos.

O ideal de beleza feminino foi construído com base em padrões eurocêntricos, impondo uma série de expectativas estéticas que excluem características físicas típicas das mulheres negras, como cabelos crespos e pele mais escura. E esse padrão é um dos motivos que fazem com que as mulheres negras entrem em desvantagem no mercado de trabalho, em que a aparência, muitas vezes, é associada à competência e ao profissionalismo.

E essa perpetuação de padrões, estereótipos e preconceitos exclui as oportunidades de inserção e ascensão profissional para as mulheres negras, que, ao serem inseridas e credibilizadas, têm o poder de impulsionar mudanças significativas em toda sociedade, uma vez que ela é a base, é a estrutura.

*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP

Fabiana Conceição
Colunista VSP

Baiana, mulher negra, mãe de Janaína e Dandara, Fabiana é pedagoga com especialização em psicologia organizacional e diversidade e inclusão e tem pós em Gestão de Projetos. Pesquisadora e palestrante sobre o tema Racismo e Preconceito, é educadora antirracista. É ainda especialista em desenvolvimento de talentos e diversidade, equidade e inclusão na Talento Incluir.

Foto: Vlada Karpovich/Pexels

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