A aventura, a fuga e o preconceito que mata
É verdade que nenhuma vida merece menos atenção, que todas as vidas importam? Bom, para alguns, essa resposta depende da audiência
Por Cleber Siqueira
Vimos durante as últimas semanas uma enxurrada de matérias explorando a implosão de um submersível. Sim, submersível, para quem ainda não sabe, aquilo não era um submarino. E fazia sentido tanta visibilidade na mídia; desde o dia 18 de junho, cinco vidas estavam desaparecidas; eram alguns trilhardários, um Indiana Jones dos mares e um capitão que se achava o próprio Nemo.
Tantas vidas mexendo com tantos interesses ao redor do mundo não poderia dar outro resultado, senão… audiência.
Audiência! Palavra que rima com indecência, mas não rima com pobreza. Quer dizer, quase rima. Rima quando o assunto é explorar a imagem da miséria de alguém, de uma comunidade, de um país; rima quando a intenção é fazer cair a lágrima fácil da tia ou do tio que mês a mês têm o difícil compromisso de doar uma cesta básica à igreja, sentindo-se assim, menos culpados por não atender a criança que bate o dedo no vidro do carro parado no farol, para pedir 10 centavos.
Mas, então, se explorar a desgraça dá audiência, onde estavam os pontos do “Ibope” destinados às possíveis 100 crianças que morreram afogadas no naufrágio no mar mediterrâneo, no dia 14 de junho?
Com certeza estavam à espera de algum assunto mais interessante… como, por exemplo, o sumiço de um submersível.
Ironias à parte, vale lembrar que a vida de cada pessoa naquele submersível era importante, não estou a desmerecer nenhuma daquelas vítimas. E por isso, volto a dizer, a vida de cada pessoa naquele… barco pesqueiro que naufragou no Mediterrâneo também era importante.
A diferença entre os casos é que nenhuma das 750 pessoas que lotaram o pequeno pesqueiro era abastada ou estava em uma aventura milionária em visita aos restos do Titanic, eram todos refugiados sírios, paquistaneses e egípcios fugindo da guerra, da fome e da perseguição, arriscando a própria vida e a de familiares.
Vidas que tentaram escapar da miséria e se perderam no mar, mas que não fugiram do preconceito. Um preconceito que se revela de diferentes maneiras, tanto naquele que representa uma possível falta de audiência, como pelo que mostra o descaso que líderes mundiais têm pelos povos pobres da África e pelos que sofrem com as guerras do Oriente Médio.
Exatamente como descreveu Fatima Kurdi, tia do pequeno Alan Kurdi, o menino curdo-sírio de 3 anos que foi fotografado morto em uma praia da Turquia, em setembro de 2015, e tornou-se um símbolo das tragédias no mar Mediterrâneo.
Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Fátima se emocionou ao afirmar que tragédias como essa a fazem reviver a dor da perda do sobrinho. “É muito doloroso, eu me sinto desesperançosa. Vejo que os líderes mundiais nada fazem. Isso parte meu coração. Nós seguimos com nosso sofrimento“, disse.
Nada fazem e, com certeza, continuarão sem fazer por muitos anos. O preconceito contra tudo aquilo que remete à pobreza é antigo e atual, da mesma forma como, sem dúvida, será no futuro. Por mais banal que seja, falar sobre ricos dá às pessoas a falsa sensação de riqueza, mesmo que numa relação de valores essa pessoa esteja socioeconomicamente mais próxima do pobre do que do rico.
Mas quer saber como funciona esse preconceito?
Parte dele resulta de pessoas bem sucedidas discriminando pessoas pobres, mas a pior parte funciona com o pobre que se acha rico discriminando o pobre que sabe seu lugar. Boa parte desses são exatamente as pessoas que preferem conversar sobre os 5 mortos no submersível ao invés de falar das 100 crianças que morreram presas no porão do pesqueiro.
Foto em destaque: Barco pesqueiro, momentos antes do naufrágio, no mar Mediterrâneo – Por Guarda Costeira Helênica
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