“Crime caracterizado e erro na educação familiar”, o que dizem os especialistas sobre o preconceito praticado pela internet

“Crime caracterizado e erro na educação familiar”, o que dizem os especialistas sobre o preconceito praticado pela internet
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Universitárias de Bauru praticam etarismo e porquê isso é história que se repete. Vamos falar desse caso, relembrar outros dois e descobrir o que dizem os especialistas.

Por Cleber Siqueira

Nos últimos dias a notícia de que três universitárias da cidade de Bauru agiram com etarismo contra uma colega da faculdade comoveu as redes sociais e a internet de maneira geral. A reprovação à atitude das estudantes foi praticamente uma unanimidade.

Porém, mesmo com tanta indignação e até homenagens à vítima, se analisarmos friamente, estudantes de classe média se portando como abastados para menosprezar pessoas que eles consideram inferiores, é história que se repete. Mas se a história se repete, o que já deveríamos ter aprendido com ela? Quais ações já deveriam ter sido tomadas? E, por fim, uma pergunta muito simples: Onde está o erro?

Vamos relembrar os três casos mais recentes que tomaram conta da internet e entender o que um advogado e uma orientadora parental podem nos ensinar.

Outubro 2022

Jogos Universitários de Medicina, em Vassouras (RJ), um vídeo mostra alunos do curso de medicina da Universidade de Iguaçu (Unig), no Rio de Janeiro, cantando o grito de guerra da turma: “Sou playboy, não tenho culpa se seu pai é motoboy“.

A atitude gerou revolta nas redes sociais. O prefeito de Vassouras solicitou que os alunos fossem identificados e expulsos da cidade.

Também pelas redes sociais, o diretório acadêmico do curso de medicina da Unig emitiu nota pedindo desculpas pela “conduta e atitude imatura de certos discentes“. “Não compactuamos com nenhum tipo de repressão ou desrespeito à raça, gênero ou classe social“, diz trecho da nota divulgada.

Alunos de medicina da Unig criaram “grito de guerra” considerado ofensivo entre os estudantes – Reprodução Redes Sociais

Novembro 2022

Um grupo de alunos de uma escola particular de Valinhos (SP) trocou mensagens de cunho racista contra um colega negro do mesmo colégio. A mãe da vítima, um estudante de 15 anos, disse que o nome do filho foi colocado em um grupo de WhatsApp em que circulavam mensagens racistas, xenofóbicas, gordofóbicas e com referências a Hitler e Mussolini. Ao protestar contra esse tipo de mensagens, o jovem foi excluído do grupo e passou a ser alvo de racismo.

A história viralizou, a escola se pronunciou contra os atos discriminatórios e de cunho racista,  expulsou parte dos alunos e disse que irá fomentar práticas antirracistas e de respeito à diversidade.

Março 2023

Um vídeo mostra três estudantes universitárias de Bauru (SP) debochando de outra aluna da instituição. As jovens ironizam a idade da colega de classe pelo fato dela ter 40 anos. O vídeo viralizou nas redes sociais e gerou uma infinidade de críticas. As três universitárias foram acusadas de etarismo.

Por outro lado, mensagens de o apoio à vítima surgiram de todas as partes do Brasil. Colegas de classe repudiram o vídeo e lhe presentearam com flores.

A Unisagrado divulgou uma nota afirmando não compactuar com qualquer tipo de discriminação e que todos devem ter acesso à educação de qualidade.

Uma das três estudantes chegou a emitir uma retratação, porém em momento nenhum se lê em suas palavras o pedido de desculpas.

Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos“, disse.

– O que dizem os especialistas –

Segundo a orientadora parental da Arte Clínica, Melaine Machado Nascimento, a ocorrência de três casos em tão pouco tempo envolvendo estudantes em atos discriminatórios nos mostra que o problema pode estar na educação dos filhos. “Há uma desestrutura de valores sócio cultural dentro das famílias. As famílias de classe média estão super protegendo seus filhos, os criando em uma redoma e quando entram em contato com o mundo real usam o cérebro reptiliano (ataque e  fuga) o que gera os comportamentos equivocados de preconceito“, diz. Melaine que também atua como psicomotricista clínica, completa “estamos evoluindo tecnologicamente e regredindo humanamente“.

Já na área jurídica, o advogado criminalista e professor de Direito Penal, Carlos Fernando Maggiolo, da Maggiolo Advogados, conta que esse tipo de exposição na Internet se caracteriza como crime, sobretudo os fatos de natureza racista. Desde 1989 está em vigor a Lei Caó, que combate o crime de racismo. “O que pouca gente sabe é que no dia 11 de janeiro deste ano foi sancionada a Lei nº 14.532, que altera substancialmente a Lei Caó. Até o ano passado, para o Ministério Público poder deflagrar uma ação penal contra uma pessoa racista, dependia da vontade e autorização da vítima, pois era crime de ação penal pública condicionada. A partir dessa nova lei, o promotor de justiça não depende mais da vontade da vítima, pois a injuria racial se tornou crime de ação penal pública incondicionada“, diz.

Quanto à exposição na internet, Carlos apresenta a lei e diz que ela é clara: “Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos”. Já no que se refere ao crime de racismo, “o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”, é o que diz a própria lei.

Falando especificamente sobre os três casos lembrados na matéria, em que os preconceitos praticados foram aporofobia (discriminação sócio financeira), racismo e etarismo, o advogado lembra que a prática do racismo é considerado crime, previsto na Lei 7.716/89. “Quanto a aporofobia, infelizmente o nosso legislador ainda não avançou sobre o tema e não temos um tipo penal específico para essa conduta repugnante“, diz. Porém, ressalta, que tramita pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 1.636/2022, do senador Randolfe Rodrigues, que criminaliza a aporofobia, além de qualificar o crime de homicídio e majorar o crime de lesão corporal praticado pela mesma razão.

Contudo, apesar do aporofóbico não possuir um tipo penal específico, sua conduta pode desaguar nos crimes comuns de injúria, difamação ou constrangimento ilegal e o agente criminoso não se livra impune – responde a processo criminal e pode ser condenado“. E assim como o racismo, o etarismo também é crime. “A lei se aplica a todos e o Estatuto de Idoso é claro: responde pelo crime a pessoa que, por qualquer motivo, humilhe ou menospreze alguém por causa da sua idade. A lei não determina a idade mínima para que um cidadão seja vítima de etarismo (não são apenas os idosos), e a pena para esse crime é de 6 meses a 1 ano de reclusão“, explica Carlos.

E para que a vítima de qualquer tipo de preconceito na internet possa tomar uma atitude, o advogado diz que o ideal é salvar todas as mensagens, imagens e documentos que comprovem a conduta delituosa. Se for possível, busque testemunhas (nome, endereço e telefone de contato), tudo o que conseguir. Imprima o que puder ser impresso e quando se tratar de vídeo, copie-o para um pen drive. “Uma vez munida de provas, a vítima deve se dirigir a uma delegacia de polícia civil para proceder ao registro de ocorrência. Concomitantemente, a vítima pode ingressar na esfera cível contra o autor do crime, requerendo indenização pelos danos morais e materiais sofridos em decorrência da sua conduta criminosa. Traumas e distúrbios psicológicos, danos à imagem, enfim, tudo aquilo que a vítima sofreu de prejuízo, pode ser recompensado na esfera cível“, orienta.

Por fim, Maggiolo diz que a recomendação que ele passa a uma vítima de discriminação é de que, se tiver recursos, procure a orientação de um advogado antes de se dirigir à delegacia. “Deixe que ele confeccione uma petição e ingresse na delegacia, por você. Um bom advogado criminalista saberá o caminho das pedras para o sucesso da empreitada.”

Mas o advogado tem ainda um recado a quem pratica atos discriminatórios: “Para quem praticou um crime dessa natureza, fique ligado! A legislação vem endurecendo a cada dia. Falta a você consciência (do mal causado). Falta a você, também, a capacidade de se colocar no lugar do outro e imaginar a dor que ele sente – o nome disso é empatia – você também não tem isso. Sendo assim, você tem tudo para ser um psicopata, procure tratamento.”

Foto em destaque: Universitárias de Bauru que praticaram etarismo/Reprodução Redes Sociais

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Cleber Siqueira

Cleber Siqueira

Jornalista, é autor do livro "Fernando, o menino sem dedos". Fundador e editor do Portal Viver Sem Preconceitos, tem pós-graduação em Sociopsicologia. Sua monografia, intitulada "Homossexualidade, o amor às chamas: um breve ensaio sobre o preconceito", faz uma análise entre a literatura específica e a vida real da população homossexual no início dos anos 2000.

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