Medo e covardia: porque pessoas gordas são atacadas; e o que elas estão fazendo
Processos por gordofobia crescem na justiça e mesmo sem tipificação na legislação, agressores são punidos um a um
Por Cleber Siqueira
O combate aos preconceitos e discriminações e o respeito às diversidades são assuntos que dia a dia ganham mais visibilidade e se tornam cada vez mais presente na vida das pessoas.
A gordofobia -ou a discriminação em razão do peso- ganhou destaque duplo nos últimos dias. Durante a semana a Disney anunciou a sua primeira protagonista gorda em animação. Com a animação Reflexo, que conta a história de Bianca, uma bailarina plus size, o canal propõe uma reflexão sobre a autoestima.
Mas antes, no domingo, o Fantástico já havia abordado o tema. O programa dominical recebeu seus convidados em um estúdio especialmente preparado para que buscar a memória daqueles momentos de agressão psicológica fosse menos doloroso. Patrícia Aparecida de Lima, William Santos Silva e Jojo Todynho falaram sobre a discriminação sofrida e como resolveram a situação.
Patrícia trabalhava em uma ótica e constantemente ouvia de seu gerente que seria bom que fizesse crooss fit ou praticasse corrida. Era uma situação que desestabilizava Patrícia. “E quanto mais me desestabilizava mais eu comia“, conta.
William tinha o sonho de se tornar supervisor da empresa em que trabalhava, mas a única lembrança que carrega hoje são as mágoas pelo sofrimento que passou durante o trabalho. “Hipopótamo, gordo fedorento” eram alguns dos adjetivos que ouvia constantemente. “Mas o pior deles foi quando me chamaram de elefante encalhado“. Segundo ele, quem se referiu assim a ele foi sua própria supervisora. William diz à repórter que chegou a pensar em suicídio.
A apresentadora e cantora Jojo Toddynho se considera quase uma recordista em processos movidos contra as pessoas que a discriminaram. “Já ganhei 5 processos e ainda tem mais“, diz. Um deles saiu de um desfile em que ela fotografava com diferentes estilos de roupa. Um dos modelos remetia a uma sereia. “Ai comecei a ler as mensagens e vi que tinha gente dizendo que eu estava mais para baleia do que para sereia”, lembra.
Patrícia saiu da ótica em que trabalhava e abriu uma bomboniere. Recebeu uma indenização de cinco mil reais.
William, depois de abandonar o sonho de se tonar supervisor da empresa passou a trabalhar como motorista de aplicativo. Três mil reais foi o valor que a empresa teve de pagar a ele pela discriminação sofrida.
Nas cinco ações vencidas por Jojo, algumas ela recebeu em dinheiro, outras o agressor pagou com serviços comunitários.
Para a filósofa e doutora em Estudos da Cultura Contemporânea, Malu Jimenez, criadora do Movimento Lute como uma Gorda, uma das motivações para esse tipo de agressão recorre do preconceito que as pessoas têm ao associar aquele corpo gordo “a um corpo incompetente, doente, feio, sujo e preguiçoso, como se tivesse uma marca de algo que não é legal, que é desqualificado“.
Malu pesquisa o tema há oito anos e em setembro publicou a segunda edição do livro homônimo ao movimento, que detalha os resultados do seu estudo. “Acredita-se já que a gordofobia é muito mais violenta do que a própria doença da obesidade“, diz. Ela, William e Jojo fizeram uso de medicamentos para emagrecimento que resultaram em danos à saúde. Patrícia, cansada da opressão contra seu corpo gordo partiu logo para uma cirurgia bariátrica. Mesmo assim, os ataques não cessaram e era normal que ela ouvisse dos colegas “vai engordar tudo de novo“.
– Ações na justiça –
Apesar dos muitos processos movidos por gordofobia, ainda não existe tipificação na Legislação brasileira. Segundo um levantamento da lawtech Deep Legal, uma startup especializada em inteligência de dados jurídicos, entre 2009 e outubro de 2022, 756 processos envolvendo essa discriminação tramitaram na Justiça em todo o Brasil.
As sentenças, porém, ainda não apontam para um entendimento de como o preconceito deve ser tratado. Dos processos julgados em 1º grau, 37% foram considerados parcialmente procedentes, 5% procedentes e 14% improcedentes. Em 14%, houve acordo entre as partes, e 3% das ações foram extintas. Outros 27% casos ainda não receberam sentença.
A matéria do Fantástico mostrou que esse tipo de discriminação ocorre em diferentes ambientes sociais. E tudo começa em casa, em famíilia, local de 72% dos casos; em seguida estão as lojas e comércio em geral, com 65,5% das agressões; em terceiro estão os atendimentos médicos, com 60,4% dos registros e por fim; o local de trabalho que aparece com 54,7%. Mas além desses, segundo Vanessa Louzada , CEO da Deep Legal, os processos em tramitação na justiça também relatam ocorrências de gordofobia na vizinhança e condomínios e nas redes sociais.
Ainda segundo o levantamento da startup, os estados com maior número de casos envolvendo discriminação por gordofobia são: São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Dados e números que mostram que o ser humano parece se sentir bem ao agredir pessoas simplesmente por suas diferenças, por aquilo que ele considera feio, repulsivo, não adequado, nunca levando em consideração “o outro”, se esquecendo que ele mesmo é o “outro” para qualquer pessoa que não seja ele. Falta empatia, o que comprova que não são apenas as pessoas gordas que têm uma doença, mas que o ser humano passa por um mal crônico muito maior: o medo de se mostrar fraco, que o leva à covardia da agressão.
Foto em destaque: Malu Jimenez/Reprodução Instagram
Siga o Viver Sem Preconceitos nas Redes Sociais
Curta, comente, compartilhe…
Vamos fazer do mundo um lugar melhor para se viver,
um lugar com menos preconceitos!
O Portal Viver Sem Preconceitos autoriza a reprodução de seus conteúdos -total ou parcial- desde que citada a fonte e da notificação por escrito.
Para o uso de matérias e conteúdos de terceiros publicados aqui, deve-se observar as regras propostas por ele