O Direito e a proteção à população idosa
Todos nós envelhecemos e nossa vulnerabilidade essencial deve nos conectar rumo a uma nova forma de pensar o envelhecimento e a dignidade na velhice
Por Juraciara Vieira Cardoso e José Milton Cardoso Júnior
Todos envelhecemos e, nas últimas décadas, o mundo anda experimentando um crescente aumento da população idosa. Segundo dados do Relatório de Revisão da Organização das Nações Unidas (ONU), do ano de 2022, atualmente temos cerca de 10% da população mundial com idade superior aos 65 anos, e no ano de 2050 seremos 16% de velhos.
Diante de tal realidade é imprescindível que discutamos sobre os direitos desta população que, como será demonstrado, vão além de sua simples positivação por meio de normas.
O direito vem sofrendo nos últimos tempos inúmeros processos de redimensionamento de seu papel, tanto como garantidor da ordem social, quanto de sua necessária dimensão de propiciador de justiça. Deste modo, já não cabe mais ao direito o papel unívoco de garantidor da aplicação cega da lei, ele deve ser, acima de tudo, um instrumento capaz de garantir aos cidadãos, notadamente os idosos, a manutenção de sua dignidade.
Assim, com o envelhecimento populacional, mais do que nunca, precisamos que o Direito seja o garantidor da dignidade nos anos finais da vida das pessoas. Este é um desafio mundial, do qual as pessoas não podem se furtar pois, como temos defendido, na vulnerabilidade está a marca definitória da natureza humana e, como espécie, não temos o direito de deixar desamparados aqueles de nós que, por sua data de nascimento, não podem mais contribuir de modo efetivo para o desenvolvimento social, pois já o fizeram.
A regulamentação de direitos da população idosa teve seu marco inicial em 1982, na cidade de Viena, quando ocorreu a primeira Assembleia Mundial Sobre Envelhecimento da ONU, que tratou sobre a necessidade de políticas públicas específicas para esta população.
Posteriormente, no ano de 2002, na mesma Assembleia Mundial Sobre Envelhecimento, foi feita uma declaração política e um plano de ação internacional sobre o envelhecimento, dando diretrizes para que ações efetivas para esta população fossem implementadas pelos países.
Apesar das intenções, as ações não surtiram ainda o resultado esperado. Não são poucos os governantes que ainda veem no gasto com tal população um desperdício de dinheiro que deveria ser investido na população mais jovem. Aliado a isto está uma base ideológica individualista que domina a sociedade, isto em detrimento a uma lógica na qual os direitos humanos deveriam orientar para o aumento da visão crítica da sociedade e, com isto, para a emancipação.
Para tentar dar efetividade às normas e diretivas internacionais, a Constituição da República de 1988 previu em seu artigo 3º, inciso IV, que, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil estava a promoção do bem de todos, sem qualquer espécie de preconceito, inclusive o de idade. Não bastasse, a mesma Carta Magna, em seu artigo 229 garante que os pais serão assistidos pelos filhos na velhice, carência ou enfermidade e o artigo 230 diz ser dever da família, da sociedade e do Estado o amparo às pessoas idosas, assegurando sua participação na vida comunitária, defendendo-se sua dignidade e bem-estar.
Tentando dar mais concretude aos direitos inscritos na Carta Constitucional, o legislador promulgou a Política Nacional do Idoso, Lei n. 8.842/94, que teve como finalidade assegurar os direitos sociais desta população, com a promoção da autonomia e o fomento da participação do idoso na vida em sociedade. Além disto, tal documento buscou garantir diretos fundamentais mínimos, tais como assistência social, saúde, educação, trabalho, previdência social, habitação, justiça, cultura e esporte para a população idosa.
O mais recente instrumento normativo que temos de proteção à população idosa é o conhecido Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/2003, que visou ampliar o sistema de proteção ao idoso definindo, inclusive, os crimes dos quais essa população pode ser vítima.
Um importante ponto do documento é a diminuição da idade para que uma pessoa possa ser considerada idosa no Brasil, que antes era de 65 anos e desde sua promulgação passou a ser 60 anos. O Estatuto buscou preservar o direito fundamental à vida, a liberdade, ao respeito, a dignidade, a alimentos, a saúde, a educação, a cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, a previdência e assistência social, habitação e transporte.
Depois de apresentar cada uma das normas protetivas em relação aos idosos pode parecer para o leitor mais desavisado que esta população pode dormir tranquila, pois seus direitos fundamentais, notadamente o da dignidade, está garantido. Mas tal conclusão não poderia se mostrar mais equivocadas pois, apesar dos avanços normativos experimentados, eles nem sempre foram acompanhados de ações efetivas para garantia de um envelhecimento digno, isto tanto por parte do Estado quanto por parte da sociedade em geral.
É preciso, mais do que nunca, que toda a sociedade se conscientize de que todos nós envelhecemos e que nossa vulnerabilidade essencial, mais aparente com o avançar dos anos, deve nos conectar rumo a uma nova forma de pensar o envelhecimento e a manutenção da dignidade na velhice.
Publicado originalmente no jornal Estado de Minas
Foto: Mehmet Turgut Kirkgoz/Pexels
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