Startups contra o preconceito
Veja como empresas especializadas em fazer entregas em favelas quebram o preconceito e colocam comunidades no mapa
Da Redação
Realizar uma compra pela internet e receber o produto na porta de casa deveria ser uma experiência tranquila para todo mundo. Deveria, mas não é bem assim. O Código de Endereçamento Postal, ou CEP, planejado para ser um facilitador de questões ligadas à logística tem, em alguns casos, se tornado um aliado do preconceito. Principalmente quando se trata dos milhões de brasileiros que moram nas periferias e em favelas. Para esses, uma simples solicitação para que uma encomenda seja entregue na residência, na maioria das vezes, é acompanhada de resposta negativa.
Pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, em parceria com o Data Favela e a Centra Única das Favelas (Cufa), no final de 2021, revelou que cerca de 17,1 milhões de pessoas vivem nas favelas em todo país. Isso significa dizer que 8% de toda população brasileira reside nas cerca de sete mil favelas espalhadas pelo Brasil.
A pesquisa ainda mostra que quase 70% desse público afirma ter deixado de comprar algum item, pois a encomenda não chegava ao endereço.
Segundo Preto Zezé, presidente da Cufa, os moradores das favelas movimentam algo em torno de R$ 120 bilhões em renda própria por ano, um valor que supera a massa de renda de 20 das 27 unidades da federação e é maior que o consumo de vizinhos sul-americanos, como Bolívia, Uruguai e Paraguai.
Preconceito somado a números expressivos fazem com que surja dentro das próprias comunidades uma leva de startups especializadas na parte final da entrega, ou a last mile, com excelentes resultados e a conquista de clientes de peso.
São três empresas ligadas a ONGs com importante experiência no “fazer chegar” as doações no período da pandemia, driblando a inexistência de CEPs ou as irregularidades na numeração das casas.
– naPorta/Gerando Falcões –
Empreender nessa área era um desejo Sanderson Pajeú, 28, morador do Itaim Paulista e “com a pandemia, isso se tornou urgente.“
E, com a ajuda de amigos que já trabalhavam na área de logística, no Rio de Janeiro, surge a naPorta. Hoje, os amigos são sócios.
E foi por meio desses contatos do Rio de Janeiro que veio o primeiro grande contrato, em julho de 2021. Apesar de a tradicional varejista fluminense Casa & Vídeo ter grande volume de vendas em sete comunidades do Rio de Janeiro, sofria com a pouca efetividade na entrega. Para suprir essa defasagem entra a startup.
A execução bem feita dos trabalhos chamou atenção atraiu de clientes como Casa & Vídeo, Riachuelo, Kangu, Mercado Livre, Americanas e C&A, além de um cheque de R$ 300 mil de capital semente de investidores da Wow Aceleradora e LGA Ventures.
A naPorta busca também se diferenciar com uma tecnologia aprimorada de georreferência. “Queremos suplementar o plus code do Google, criando um padrão de geolocalização digital que sirva tanto para favelas horizontais, como as paulistas, como para favelas verticais do Rio de Janeiro“, diz.
Somente no Rio, a startup faz mensalmente dez mil entregas, o que representa uma receita em torno de R$ 50 mil reais. Sanderson pode ainda multiplicar esse faturamento por dez, mas para isso terá de alcançar seu objetivo, chegar ao fim do ano presente em 24 comunidades.
Mas a empresa não oferece apenas o serviço de entrega na porta, há também uma opção de retirada das encomendas em algum ponto de coleta estrategicamente localizado dentro da própria comunidade, em estabelecimentos como bares, mercearias, restaurantes ou qualquer comércio que possui horário estendido.
A parceria com a Gerando Falcões acaba de ser fechada e tem prevista para o fim do mês de agosto, a inauguração de um ponto de distribuição na Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos, que faz divisa com o Itaim Paulista, bairro natal de Pajeú.
– Favela LLog/Cufa –
A história da Favela Llog remete à 2013, quando Celso Athayde cria no Rio de Janeiro, o projeto Favela Holding (FHolding) a partir do reconhecimento da necessidade de mudar a raiz econômica das comunidades, que geralmente tem como base a economia informal. Inicialmente denominada Favela Log (com um L só), essa empresa faz parte do grupo Favela Holding.
Com o objetivo de chegar às mais de 5.000 comunidades onde a Cufa atua, no momento, a empresa alcança 112 favelas e 12 bairros do Rio de Janeiro. Porém, os ideais não param por ai, A organização também pretende chegar a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, localidades onde os empresários fizeram entregas de cestas básicas na pandemia da covid-19.
Segundo Celso Athayde, a Favela Llog responde por 12% dos ganhos da sua Favela Holding, que registrou um faturamento de R$ 178 milhões em 2021.
Com a recente entrada de Luciano Luft como sócio (o que implicou na colocação do segundo L no nome da empresa), a startup passou a atuar em São Paulo. O empresário é dono da Luft Logistics, uma transportadora especializada em fretes de longa distância e concentrada em produtos farmacêuticos, do agronegócio e do e-commerce.
Nesta nova fase, a Favela LLog firmou contrato para distribuir na periferia os produtos comprados no marketplace da Amazon.
O primeiro ponto de distribuição foi inaugurado em agosto em Paraisópolis e, nos próximos meses, também serão instalados galpões em Heliópolis e no Capão Redondo.
O plano da empresa é chegar até o fim do ano com 600 funcionários, entregando 2000 pacotes por dia em 300 favelas. A Favela LLog utiliza uma tecnologia proprietária de georreferenciamento, que está tendo sua efetividade testada em São Paulo.
– Favela Brasil Xpress/G10 –
Nascida no pico da pandemia da covid-19, a Favela Brasil Xpress surge a partir da estrutura de distribuição de doações gerenciadas pelo G10 Favelas, que atua na favela do Paraisópolis, zona Sul de São Paulo. Com mais de 100 mil habitantes é a quinta maior do país.
Ela pode ser jovem, mas atualmente conta com 10 clientes e alguns de peso, como Americanas, Shoptime, Magazine Luiza, Shopee e Mercado Livre, entre outras.
A experiência do CEO da Startup, Giva Pereira, 22, vem do trabalho como um dos coordenadores de entrega de doações do G10 Favelas durante a pandemia. Na época, a “tecnologia” utilizada era um simples mapa com anotações para localizar a moradia das 32 mil famílias da comunidade.
E foi a estrutura analógica que serviu de base para a implementação da tecnologia plus codes do Google, quando decidiu abrir seu próprio negócio.
O plus codes converte a latitude e a longitude de qualquer ponto no bairro em um código único e público, servindo como um CEP digital alternativo. Os moradores foram orientados a usar o código na área de ponto de referência do endereço de entrega no cadastro de suas compras.
“O plus codes não substitui o endereço fornecido pelo poder público, mas ajuda na localização. O ideal seria que todos nós morássemos em uma via adequada, com CEP, mas enquanto isso não acontece, a tecnologia está colocando as nossas casas no mapa dos serviços básicos“, afirma Giva Pereira.
O aporte inicial da startup saiu de um cheque de R$ 15 mil do G10 Bank, banco ligado ao G10 Favelas. Em 10 meses, a empresa já operava no azul.
Hoje, com 350 funcionários e mais de um milhão de pacotes entregues, a Favela Brasil Xpress atende também em Heliópolis, Capão Redondo, parte de Diadema, além da Rocinha e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.
Da Redação com informações da CNN e Reset
Foto: Favela na zona Sul de São Paulo-Divulgação/Governo de SP
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