Justiça de SC admite gênero neutro na certidão de nascimento
Magistrada ressalta importância às garantias do direito fundamental à autodeterminação de gênero, livre de qualquer espécie de preconceito, opressão e discriminação
“Os ideais de igualdade e dignidade, o viés protetivo da personalidade, previstos em nossa Constituição dependem do avanço legislativo para atender a dinâmica evolutiva da vida em Sociedade. Diante de uma lei que não faz mais sentido, da norma infraconstitucional, e da falta do avanço no fluxo do que está pulsando, não cabe denegar os mais intrínsecos direitos inerentes a todo ser humano“.
A frase acima é trecho da sentença da juíza Vânia Petermann, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que reconheceu o direito de uma pessoa se declarar com gênero neutro em sua certidão de nascimento. Na decisão, que é uma das primeiras a abordar o tema no Brasil, a juíza ainda acolheu o pedido para a mudança de nome.
O processo foi aberto por uma pessoa registrada como sendo do gênero masculino, mas que nunca se identificou como tal e tampouco com o gênero feminino. Extrajudicialmente, tentou mudar na certidão de nascimento o nome e o sexo para “não identificado”, com informação de necessária análise judicial sobre o gênero neutro. Por isso, ingressou na Justiça e o caso foi parar nas mãos da juíza Vânia Petermann.
Com a ausência de jurisprudência no Brasil, a magistrada utilizou decisões de países com sistemas compatíveis para compor sua sentença. Além de argumentação jurídica ampla, sua sentença está baseada em dados históricos, antropológicos, sociológicos, filosóficos, biológicos, psicanalíticos e psicológicos, sem abrir mão de uma análise sobre a trajetória de gênero e sexualidade no Brasil e no exterior.
Vânia explicou que o Judiciário é o guardião da Constituição, na qual o princípio da dignidade da pessoa humana é pilar fundamental e sustenta outras proteções, como o direito de liberdade de expressão e de autodeterminar-se, o que também consta de tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Ressaltou ainda que o gênero neutro é um conceito adotado pela ONU, para as “pessoas que nascem com características sexuais que não se encaixam nas definições típicas do sexo masculino e feminino”.
Vale lembrar que, assim como a magistrada pontuou, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou a favor da possibilidade de mudar o registro do sexo, independentemente do órgão sexual físico.
A juíza também aborda os impactos na língua brasileira. Frisou que não se pode negar um direito de não identificação de sexo em razão de um anseio que brota da sociedade em escala mundial, não só no Brasil. Para ela, a adequação encontrará espaço, seja na voz da sociedade ou da legislação, o que dependerá do devido tempo, como ocorre em outros países que não têm o pronome neutro, e que o Estado possui outros meios de identificação das pessoas.
Por fim, a juíza diz que “o Poder Judiciário, diante dos casos concretos, deve funcionar como respaldo jurídico, freando a discriminação das minorias e garantindo a todos o exercício pleno de uma vida digna. Impedir as pessoas de serem o que sentem que são é uma afronta à Constituição“, e ressalta que o importante é “garantir a elas o direito fundamental à autodeterminação de gênero, livre de qualquer espécie de preconceito, opressão e discriminação“.
As informações foram divulgadas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O caso corre sob segredo de Justiça e está sujeito a recurso.
Redação: Viver Sem Preconceitos
Foto em destaque: “Aceite a diversidade”, de cloudcoaching.com