E não sou eu uma mulher?
Reflexões sobre feminismo, Mulherismo Africana e a intersecção de identidades na luta pelos direitos de todas as mulheres
Por Fabiana Conceição*
Em março, comemoramos o mês internacional da mulher, então quero convidar você para uma reflexão nos próximos dois artigos. Isso mesmo: dois! Gostaria muito de abordar o tema do Mulherismo Africana, porém acredito ser importante contextualizar, inicialmente, o feminismo de forma ocidental, para, então, fundamentar o conceito do Mulherismo e destacar a importância, necessidade e urgência da agenda para as mulheres negras na diáspora.
Portanto, este artigo será nosso pré-trabalho, combinado?
E não sou eu uma mulher? O título do artigo foi inspirado em uma pergunta feita por Sojourner Truth – uma mulher negra, ex-escravizada, que se tornou abolicionista e ativista na luta pelo direito da mulher afro-americana. Em seu discurso proferido na Convenção de Direitos das Mulheres, em Akron, Ohio, nos Estados Unidos, Sojourner questionou a interseccionalidade, indagando de que lugar as demandas das sufragistas estavam sendo requeridas.
A primeira onda do feminismo surgiu com as sufragistas, que reivindicavam participação ativa na política, com direito ao voto, e se estendeu com outras pautas, como acesso ao mercado de trabalho.
Sojourner, uma mulher negra, buscava compreender, com sua pergunta, onde ela se encaixava nestas reivindicações.
Em que posição se encontrava a mulher negra dentro das demandas sufragistas?
Susan B. Anthony, uma das grandes líderes das sufragistas, expressou seu descontentamento ao ver o avanço da Décima Quinta Emenda, que estabelecia que o governo não poderia privar um cidadão do direito de voto por motivos de raça, cor ou condição anterior de servidão, dizendo: “Prefiro cortar meu braço direito a um dia lutar pelo direito de voto de um homem negro e não de uma mulher.“.
A fala de Susan reflete o predomínio dentro do feminismo – a criação de uma dicotomia entre “mulheres” e “negros”, sem considerar pessoas que carregavam ambas ou mais identidades.
Ao longo dos anos, as feministas escreveram, discursaram, desenvolveram teorias e políticas sobre o feminismo, enquanto as mulheres não brancas, desprovidas de privilégios de raça e classe, vivenciaram e enfrentaram opressões que sequer foram abordadas pelo feminismo.
Mulheres com interseções de identidade – negras, pobres, indígenas, trans, quilombolas, com deficiência, ribeirinhas, enfrentaram opressões que o movimento feminista não considerou. Estas mulheres, por muito tempo, não foram ouvidas, não foram vistas, não escreveram ou falaram sobre suas dores; apenas sobreviveram, cuidaram de crianças, lavaram roupas e cuidaram de lares, enquanto as feministas “lutavam” pelo direito ao trabalho e pela emancipação do trabalho doméstico.
Claro que as mulheres se beneficiaram das lutas e conquistas travadas pelas feministas ao redor do mundo. Porém, como Audre Lorde disse: “Eu não sou livre enquanto uma mulher não for, mesmo que as correntes dela sejam muito diferentes das minhas.”
E este é o cerne da questão! O feminismo, desde sua origem, não conseguiu abarcar as realidades e experiências das diversas mulheres ao redor do mundo, e, portanto, não pôde
contemplar as necessidades das mulheres negras, uma vez que sua fundamentação foi construída a partir de uma lógica ocidental.
Com essa perspectiva, a doutora Clenora Hudson-Weems cunhou o termo “Mulherismo Africana” em 1987, com o objetivo de auxiliar a comunidade africana global a se revitalizar a partir de suas próprias experiências. Não como uma oposição ao feminismo, mas como um movimento paralelo, pensado para resgatar a matriarcalidade do continente e gerir o povo negro, sem a busca pela igualdade de gênero ou pela luta por um espaço dentro do patriarcado, mas sim pela reintegração de um espaço que sempre nos pertenceu.
Como assim sem a busca pela igualdade de gênero ou por um espaço dentro do patriarcado?
Parece uma ideia retrógrada, não é mesmo?
Posso dizer antecipadamente que a África é o berço da humanidade e também o futuro. Isso nos oferece a oportunidade de grandes reflexões e conhecimentos que vamos aprofundar em nossa próxima conversa.
Te espero lá!
*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP
Fabiana Conceição
Colunista VSP
Baiana, mulher negra, mãe de Janaína e Dandara, Fabiana é pedagoga com especialização em psicologia organizacional e diversidade e inclusão e tem pós em Gestão de Projetos. Pesquisadora e palestrante sobre o tema Racismo e Preconceito, é educadora antirracista. É ainda especialista em desenvolvimento de talentos e diversidade, equidade e inclusão na Talento Incluir.
Foto: Reprodução “Coisa Linda”/Série Netflix
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