“Já sofri muito preconceito em entrevistas de emprego por causa do autismo e por ter filhos pequenos”

“Já sofri muito preconceito em entrevistas de emprego por causa do autismo e por ter filhos pequenos”
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A carioca Viviane Nonato, de 34 anos, tem autismo leve e é mãe de Alice, de 8 anos, que também tem TEA e Ítalo, 7 anos. Em depoimento à Crescer, ela conta como foi lidar com o transtorno durante a infância e a adolescência, fala sobre o dia a dia com as crianças, e relembra sua trajetória profissional na área de tecnologia

Por Juliana Malacarne

A mãe de dois, Viviane Nonato, de 34 anos, conhece o autismo como poucos. Diagnosticada com o transtorno na vida adulta, Viviane descobriu que sua primogênita, Alice, também tinha TEA. Já o caçula, Ítalo, é neuro típico. “O mais difícil como mãe é a falta de apoio e suporte. As pessoas não entendem a condição do autismo nas crianças“, afirma Viviane. Alice tem autismo moderado e, aos oito anos, se comunica de forma não verbal. “É uma deficiência invisível, até compreendo a dificuldade de identificar, mas as pessoas julgam muito e são poucos os que compreendem os momentos de crise“.

Apesar da falta de empatia que pessoas neuro divergentes muitas vezes enfrentam em nossa sociedade, Viviane conseguiu conquistar seu espaço no mercado de trabalho. Nascida na comunidade de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ), ela não teve contato com computadores na infância, mas, depois de conseguir seu primeiro equipamento formal na Fiocruz, se apaixonou pela área de tecnologia. Atualmente, Viviane trabalha como desenvolvedora de back end em uma empresa de serviços financeiros, mas conta que a trajetória profissional nem sempre foi fácil. “Já sofri muito preconceito em entrevistas de emprego por causa do autismo e por ter filhos pequenos. Se eu falava sobre isso, me dispensavam imediatamente. Me sinto privilegiada e valorizada pelo meu trabalho hoje em dia“, conta Viviane.

Em entrevista à Crescer, ela relembrou sua trajetória e contou o que funciona na sua família para deixar o dia a dia com as crianças mais leve. Confira o depoimento:

Sou da comunidade de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Nasci lá e tenho muito orgulho, vim de uma família humilde. Fui adotada pela minha avó, que é madrasta do meu pai, quando minha mãe decidiu que não ficaria mais comigo e minha irmã. Ela lutava com problemas de saúde mental. Antes de minha avó nos acolher, fomos morar na rua e sobrevivíamos com a ajuda do pessoal da comunidade que tinha medo de sermos atropeladas ou de aparecer alguém querendo fazer alguma maldade.

Depois que minha avó nos assumiu, ela tentou nos dar uma boa educação, passando o valor do trabalho e de termos uma forma de sustento. Desde pequena nossa vó nos ensinava a lavar e passar nossas roupinhas, lavar o prato e ter responsabilidade pequenas dentro de casa.

Foi na adolescência que descobri que havia algo de diferente comigo, mas nunca recebi tratamento específico. Fazia acompanhamento com psicólogo e psiquiatra, mas o laudo de autismo só veio na fase adulta mesmo. Quando descobri que tinha autismo entrei em luto, foi difícil aceitar que tinha um tipo de limitação e que tenho que trabalhar nisso sempre para conseguir me relacionar melhor com as pessoas. Desde novinha, sentia dificuldade para me comunicar porque não entendo expressões faciais como as outras pessoas. Conforme fui crescendo, de certa forma, fui disfarçando essa diferença maquiando e copiando os comportamentos que via para tentar me encaixar em determinados grupos.

Tenho dificuldade também para compreender nuances vocais e uma série de outras coisas que acabam atrapalhando o convívio saudável com outras pessoas. Por exemplo, já tive problema porque não entendi o que era um riso de felicidade. A pessoa riu de felicidade perto de mim e não achei que era de alegria. Era uma pessoa muito legal, que eu sabia que não teria por que estar debochando de mim, mas foi o que me pareceu. Depois desse incidente, comecei a reforçar a parte de psiquiatria com medicação e senti que meus relacionamentos com as pessoas melhoraram desde então. Faço terapia comportamental também porque meu nível de ingenuidade chega a ser absurdo e me prejudica muito. Já fui vítima de golpes por causa disso.

Quando minha filha nasceu, comecei uma nova jornada com o autismo, dessa vez como mãe. A Alice tem autismo moderado, nível 2. Tem oito anos e ainda não fala. Desconfiei que ela podia ter autismo já no primeiro ano de vida. Aos 11 meses, ela não dava nem sinal de desenvolver a fala e não estabelecia contato visual. As pessoas a chamavam pelo nome e ela não virava para olhar. Levei logo no neurologista e com seis anos recebemos o laudo definitivo de autismo. Aos oito, veio o diagnóstico também de TDAH.

Viviane e os filhos Ítalo e Alice
Arquivo pessoal

O mais difícil como mãe é a falta de apoio e suporte. As pessoas não entendem a condição do autismo nas crianças. Acham que é birra ou falta de educação. É uma deficiência invisível, até compreendo a dificuldade de identificar, mas as pessoas julgam muito e são poucos os que têm empatia nos momentos de crise. Falta apoio na escola também.

Uma criança especial sobrecarrega pai e mãe. É inegável, a gente acaba se dedicando em tudo para eles. Tem que ter mesmo muita força. O que me ajuda, além de procurar atendimento especializado para minha filha, é participar de grupos de pais com filhos autistas. Conversar com outros pais e mães para entender como é aquele dia a dia, como lidar com determinadas questões e compartilhar experiências tem sido muito importante.

Para minha filha, por exemplo, o abraço e o colo, ajudam muito ela a lidar com as crises. As pessoas falam que autista não gosta de abraço, mas, para minha filha e eu, isso não é verdade. Gostamos muito. Tem pessoas que não querem ser abraçadas por uma questão sensorial, mas isso com o tempo, baseado nas experiências das pessoas com que convivo, tende a melhorar. Os gatinhos que temos em casa também ajudam no comportamento da Alice.

Atualmente, me sinto privilegiada pelo meu trabalho sendo mãe solo de dois filhos e autista. Já sofri muito preconceito em entrevistas de emprego por causa do autismo e por ter filhos pequenos. Nunca pensei que fosse ser valorizada. O que avalio como mais importante no convívio com um filho autista é a empatia, paciência, compreensão e nunca deixar de estimular o acolhimento e a proximidade entre a família”.

Matéria publicada originalmente na Revista Crescer
Foto em destaque: Viviane e os filhos Alice e Ítalo/Arquivo Pessoal

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