Corpos gordos na barra: pole dance para todas

Corpos gordos na barra: pole dance para todas
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Mulheres gordas contam como o esporte e a dança transformam

Por Jéssica Balbino

Desde a primeira vez que vi uma pessoa dançar no pole dance, fiquei chocada. Como pode alguém girar na barra com tanta agilidade? Poderia eu, com meu corpo gordo, fazer o mesmo? Achei que não e tirei a ideia da cabeça. Anos depois, entrei no quarto de uma amiga e voilà: ela tinha uma barra instalada no quarto. Dei meu primeiro giro e uma imensa sensação de liberdade tomou meu corpo. Me enrosquei por ali e que delícia que foi.

Mas, fui embora e nunca mais voltei à barra de pole dance. Acabei voltando para outros esportes e nunca mais girei na barra – exceto em motéis, risos. Mas, soube que ali existia um esporte delicioso.

Pole Dance é uma modalidade artística que surgiu no Brasil nas últimas duas décadas e que é desempenhado sobretudo por mulheres e pessoas relacionadas à comunidade LGBTQIA+. A dança é feita com o uso de uma barra (pole) e com fortes influências do circo, teatro e de danças sensuais e marginalizadas.

Anos mais tarde, comecei a encontrar colegas que, como eu, são gordas e que estavam se aventurando na barra. Soube de um coletivo de mulheres gordas que se reúne para dançar, pessoas que competem e, mais recentemente, um estúdio na cidade em que vivo, que recebe todos os tipos de corpos, sem contra-indicação, para o esporte.

Lu Senra e Carol Gianelli, que, entre os dias 05, 06 e 07 de agosto disputaram o Festival Mineiro Pole Dance, em Belo Horizonte, investem no bem-estar das mulheres – o estúdio Gira Pole é exclusivo para o gênero – que frequentam e agora, preparam coreografias para o festival. “O pole dance é para todas”, anunciam.

Entre as frequentadoras, está a professora Ravena Carvalho, 29 anos. Uma mulher gorda, que depois de tentar vários esportes, encontrou no pole dance – e no acolhimento do local – uma forma de fazer as pazes com a atividade física e gostar do próprio corpo fora dos padrões.

Ela conta que sempre teve uma relação ruim com qualquer atividade física e que tudo que fez era com a ideia de emagrecer, até conhecer o pole dance em meio a uma crise de ansiedade e depressão, depois de tentar pedalar e fazer yoga.

Ravena Carvalho ouviu que o Pole Dance não era para ela, mas seguiu no esporte e hoje é professora na modalidade – Foto: Arquivo Pessoal

Eu já acompanhava a página da escola há algum tempo e achava incrível. Lá, conheci a Dani, uma pessoa gorda também. Ela me inspirou, me deu vontade e me trouxe o pensamento de ‘eu também vou conseguir’”, relatou,

Mas, na primeira aula que marcou, Ravena se sabotou e não foi por achar que não daria conta. Foi somente na segunda aula que, mesmo tímida e desconfortável ao ver que o próprio corpo era ‘diferente’ dos que estavam dividindo a aula é que ela conseguiu curtir e aderir ao Pole Dance.

Em poucos minutos eu percebi que ninguém lá se importava com isso. Que naquele lugar parecia que todos estavam despidos (literalmente). E os medos e inseguranças se evidenciavam em ficar de ponta cabeça e não em mostrar uma celulite ou estria. E eu nunca mais consegui deixar aquele lugar. Nunca mais consegui viver sem o pole”, conta.

Para ela, o pole mostrou o quanto o corpo é capaz, mas que este mesmo corpo exige paciência. “Dançar me mostrou o quanto a minha mente é importante, me trouxe paixão de novo. Me trouxe aconchego. E eu achei aquilo que eu sempre busquei: uma atividade física que me desse prazer”.

Para quem gostaria de tentar, Ravena deixa um recado: “Ouvi diversas vezes que o pole não era pra mim. Alguns diretamente outros em brincadeiras disfarçadas. O acolhimento que eu tenho lá dentro e as superações que eu tenho comigo me fazem continuar. Claro que nunca será a mesma coisa. Tive que aprender a olhar o meu processo e não me comparar. A lidar com as minhas frustrações. Mas tem sido uma experiência incrível”, pontua.

Apesar de não frequentar a mesma escola, a internacionalista Andréa Costa, de 35 anos, há 7 anos no pole dance, ela fala sobre a resistência que significa ser uma mulher gorda no pole dance.

Apesar do ambiente do pole dance ser um pouco mais aberto e acolhedor que as danças mais “tradicionais”, ser uma mulher gorda ainda significa ter um papel de resistência. Existe uma cobrança maior das pessoas, além da tentativa constante de invalidar ou diminuir nossa dança quando somos gordas. É como se precisássemos sempre nos provar de alguma forma, brigar pelo nosso espaço e pelo nosso direito de simplesmente existir”, pontua.

– Os benefícios do pole dance –

No mercado do Pole Dance desde 2013, Lu  Senra recebe diferentes tipos de mulheres na escola que é exclusivamente dedicada ao gênero. “A ideia foi fazer um espaço exclusivo, para facilitar na gestão e no atendimento e têm dado certo. As nossas alunas sentem que o Gira Pole é um refúgio, um espaço só delas e é, já que tudo foi pensado para elas”, conta.

E emenda sobre os benefícios do pole dance enquanto atividade física regular, que trabalha todos os músculos do corpo e é indicada a todas as pessoas, de qualquer faixa-etária ou com qualquer tipo físico: “é uma dança que traz, claramente, muitos benefícios físicos como força, flexibilidade, coordenação motora e equilíbrio  mas, no final das contas, observamos também os benefícios subjetivos, como a desconstrução de ideais e a forma que as mulheres aprendem a lidar com a frustração, a aprimorar a paciência, a socializar o espaço, trabalhar a auto-estima, o empoderamento, o autoconhecimento e a sensualidade”, acrescenta.

– O esporte para além da idade –

Quem confirma é a professora de educação física Maria de Fátima Rodrigues Ponso, de 50 anos. Ela esperou uma vaga para fazer uma aula experimental após ver uma amiga postar fotos na escola e desde outubro do ano passado, não abre mão do esporte que a conquistou.

Eu confesso que embora seja professora de educação física, sou um pouco preguiçosa para manter minhas atividades, tudo que eu começava, eu parava e neste caso, eu já saí da aula experimental matriculada”, confessa.

Desde então, Fátima não se arrepende: “as meninas são muito acolhedoras, celebram quando a gente acerta um movimento, sem falar que é um esporte que trabalha muito a sensualidade e a força. Eu percebi a diferença bem rápido, porque com o passar do tempo, com a idade, vamos perdendo tônus muscular, equilíbrio, consciência corporal e em um mês eu já senti a diferença. Foi surpreendente a resposta do exercício pro que eu procurava”, diz.

*- Sobre o festival –

A 5ª edição do Festival Mineiro Pole Dance aconteceu entre os dias 05, 06 e 07 de agosto no Teatro da Cidade, em Belo Horizonte e recebeu ao menos 70 artistas de todo Brasil.

Participaram grandes nomes da modalidade e também artistas em início de carreira. As performances foram divididas em categorias, que se relacionaram aos diversos estilos da modalidade: experimental, exotic, flow aéreo e flow rasteiro.

No mesmo final de semana, também ocorreu a 2ª etapa do 1º Seminário Mineiro de Pole Dance. O evento ofereceu oficinas e debates gratuitos ligados ao universo do pole, entre eles: empreendedorismo, mercado digital, técnicas de dança, gestão de negócios, cultura drag queer, gordofobia, performance, processo criativo e feminismo.

*Nota do editor: com o encerramento do festival, o parágrafo foi editado.

Matéria publicada originalmente no jornal Estado de Minas
Foto em destaque: Ravena Carvalho/Arquivo Pessoal

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