Meu Amor Preto
A minha construção de amor, afeto e resistência
Por Fabiana Conceição*
No próximo dia 23 de junho, meu marido e eu completamos 18 anos juntos e, neste artigo, quero falar de amor. Amor preto!
Mas amor não tem cor!
Tem sim!
Amor é construção social e, dentro de uma estrutura racista, as imagens de controle nos fizeram construir o ideal de belo, de amor romântico e de par ideal.
Foram mais de 300 anos de escravidão em que pessoas pretas foram escravizadas, vistas meramente como animais ou objetos.
E estamos há apenas 136 anos da abolição da escravatura. E, após isso, o que tivemos ao longo da história foram os padrões de beleza sendo definidos a partir do fenótipo branco.
A miscigenação foi a principal estratégia para o embranquecimento da nossa população. Sim, estratégia; havia um plano bem definido que foi apresentado no Congresso Mundial das Raças em Londres, em 1911, onde João Batista Lacerda, representante brasileiro, disse que o plano era que, em 100 anos, o Brasil fosse composto por 80% de brancos, 3% de mestiços e 17% de indígenas; não haveria negros.
A miscigenação não foi uma ação natural do nosso país, foi construída em cima do estupro de mulheres negras, na busca pelo clareamento da nossa população.
Bem, parece que o plano não deu muito certo…
As pessoas constroem o ideário de amor a partir da sua cultura, do que veem e consomem. Então, quando falamos que amor tem cor, estamos dizendo que as pessoas negras têm um histórico de preterimento por causa da cor da sua pele, que nunca foi ideário de beleza e muito menos referência para o amor.
Na minha infância, vivi uma experiência bem marcante. Minha mãe vivia um relacionamento interracial, era casada com uma pessoa branca, e eu vivia com os parentes dessa pessoa.
Um dia de sábado, eu pequena, assistindo ao programa do Chacrinha, com aquelas chacretes exuberantes dançando, um cunhado da minha mãe, uma mulher negra, disse:
“Olhe, nem que eu tire do brega, mas eu só caso com uma mulher assim.”
E apontou para uma chacrete loira que estava sendo foco da câmera da TV.
Eu era pequena, provavelmente uns seis anos, mas entendi o que estava acontecendo ali.
Minha mãe era negra e aquele cara estava dizendo para ela que, mesmo que precisasse buscar na casa de prostituição, ele só se casaria com uma pessoa branca.
Na cabeça racista e machista dele, era preferível chegar ao que ele entendia como extremo: casar-se com uma garota de programa era melhor do que se casar com uma negra.
Senti o desconforto de minha mãe, que se calou.
Eu, internamente, não me calei e, sempre que me lembrava da cena, pensava que não queria me relacionar nem se casar com uma pessoa branca para não precisar passar por aquilo.
E eu não queria ser alvo de piadas, indiretas, falas racistas dentro de minha casa, com minha família. Já bastava da porta para fora!
Eu não queria ser humilhada entre os meus!
Claro que, conscientemente, essa história sumiu da minha memória, mas, inconscientemente, sempre me interessei por homens negros, acredito que como um ato político inconsciente.
E, em uma noite de São João, encontrei o meu amor preto.
E, quando conhecemos nossas histórias, entendemos que nosso amor seria construído em cima de dores que sentíamos, mas que não queríamos reproduzir, de histórias que não queríamos reproduzir, mas de uma ancestralidade que tínhamos o dever de honrar e dar continuidade.
Construímos nosso amor, nosso afeto tendo como tripé o respeito, o amor e a nossa ancestralidade para assim construir uma família preta, com crianças pretas conscientes, que se amassem por quem eram e por suas histórias, perpetuando a longevidade da nossa identidade física e ancestral.
“Eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer”, disse dona Conceição Evaristo.
Por isso, amar uma pessoa preta e viver bem é um ato político, é ir contra as narrativas estigmatizadas sobre relacionamentos entre pessoas pretas cheias de desafetos, violências e pobreza.
E hoje, ser uma mulher preta em um relacionamento afrocentrado, ter construído uma relação saudável e próspera (ainda um caso raro para a maioria das mulheres negras, mas sobre isso falamos outro dia) é mais do que não morrer, é viver, viver bem e saber que meus ancestrais, sem dúvidas, estão felizes de que suas raízes estão sendo perpetuadas nesta terra, revitalizando o que sempre foi nosso, que fez parte de nós: o amor e a prosperidade.
*O texto produzido pelo autor não reflete, necessariamente, a opinião do Portal VSP
Fabiana Conceição
Colunista VSP
Baiana, mulher negra, mãe de Janaína e Dandara, Fabiana é pedagoga com especialização em psicologia organizacional e diversidade e inclusão e tem pós em Gestão de Projetos. Pesquisadora e palestrante sobre o tema Racismo e Preconceito, é educadora antirracista. É ainda especialista em desenvolvimento de talentos e diversidade, equidade e inclusão na Talento Incluir.
Foto: Polina Tankilevitch/Pexels
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